A estampagem a quente inserida no novo contexto brasileiro

Quando iniciei a coluna Integração Empresa-Universidade, na Edição no 20, também iniciava a competente Dra. Carina Leão na coluna Inovar-Auto. O leitor que tem acompanhado ambas as colunas já percebeu que elas possuem muito em comum, mas sob perspectivas diversificadas. Como o próprio nome diz, a coluna Inovar-Auto destina-se a um ramo específico e, ao mesmo tempo, bastante abrangente, abordando, inclusive, a Pesquisa e o Desenvolvimento (P&D). Embora algumas ações do programa mereçam uma discussão mais filosófica e ainda sim técnica, ao correlacionar as duas colunas eu manterei o foco nas atividades relacionadas ao desenvolvimento de novas tecnologias a partir de projetos de pesquisa.

A ArcelorMittal, maior produtora mundial de aço, pela qual eu inclusive já tive a oportunidade de trabalhar, me desligando posteriormente para novos desafios profissionais, anunciou investimentos de aproximadamente US$ 15 milhões na aquisição de equipamentos e adequações da linha de produção de sua unidade ArcelorMittal Vega. Da última vez em que estive na ArcelorMittal Vega eu desenvolvia o processo de laminação a frio de chapas de aço elétrico, juntamente ao também competente MSc. Carlos Lovato Neto, uma referência industrial muito importante na minha carreira. O investimento possui o objetivo de iniciar a produção local do Usibor®. Trata-se de um aço de alta resistência com aplicação na indústria automotiva, definição essa adquirida no anúncio da ArcelorMittal. A aplicação seria em peças estruturais automotivas críticas para a segurança, como colunas, parachoques, travessas, longarinas e túneis de assoalho.

Faz-se, neste ponto, necessário explicar a definição de Usibor®. O mencionado nome comercial refere-se a um aço ao boro com uma característica específica desenvolvida pela empresa: o seu revestimento. De fato, o aço somente se torna resistente para aplicações automotivas após ser processado. Estampado a quente, ele precisa ser temperado ainda durante o processo de estampagem, sendo resfriado a partir da transferência de calor com as superfícies das matrizes. Este tratamento fornece maior resistência ao aço, sendo possível, inclusive, utilizar chapas menos espessas, aumentando a eficiência automotiva e reduzindo emissões de carbono. Enfim, a “sacada” da ArcelorMittal refere-se ao seu revestimento.

Para que o processo de estampagem a quente (hot-stamping) ocorra é preciso aquecer a chapa. Este processo é comumente realizado via fornos, o que propicia a formação de óxido na superfície da peça a ser estampada a quente, seja dentro do forno quando a sua atmosfera não é controlada, seja durante a etapa de transferência da chapa do forno para a prensa. O óxido presente inviabiliza a condução da conformação em conjunto com a têmpera. Entretanto, o Usibor® possui um revestimento de alumínio-silício, devidamente patenteado, que impede a oxidação acentuada durante o aquecimento e adapta a matéria- prima ao seu processo de transformação. Logo, todo o mercado tem sido ditado pela ArcelorMittal, obrigando as empresas de estampagem e de produção de chapas para estampagem a importarem esse produto de suas plantas na Europa. O investimento anunciado para a cidade de São Francisco do Sul, Santa Catarina, faz parte de um “conjunto de soluções inovadoras em aço que permite às montadoras economizar até 20% do peso do veículo, além de reduzir cerca de 15% nas emissões de CO2 durante a produção e vida útil do veículo”. Todo esse movimento é provocado pelo novo regime brasileiro, Inovar-Auto, o qual estipula metas às montadoras, buscando veículos mais leves, seguros e ambientalmente sustentáveis.

Mas, afinal, o mercado está mesmo preso e sem alternativas? Obviamente que não. A indústria tem lutado com revestimentos em zinco, os quais possuem uma janela de fabricação mais estreita quando comparado com o alumínio-silício, restringindo a sua utilização e incorrendo em defeitos. Por outro lado, nesse ramo em específico, a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em parceria com outros centros nos EUA e Reino Unido, tem desenvolvido soluções tecnológicas atacando duas frentes: novos materiais e melhoria do processo. A boa notícia é que, em função da corrida industrial para o atendimento do mercado, gestores industriais mais técnicos e de visão ampla têm buscado soluções mais sólidas. Assim, já existem empresas estabelecendo parcerias com a universidade, como a UFMG, por exemplo, para desenvolver/adquirir tecnologia e ganhar competitividade.

Estou certo de que esse é um caminho sem volta. A competitividade a longo prazo passa, necessariamente, pela atividade de pesquisa e desenvolvimento. É importante dizer que, embora nem todos os professores e centros estejam preparados para esta parceria (assunto para edições futuras), existem centros universitários competentes técnica e gerencialmente. Até atingirmos um ambiente em que parcerias desse tipo ocorram sem a necessidade de um programa Inovar-Auto, ainda temos muito trabalho a se fazer.

 

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