A história das ciências, das tecnologias e das técnicas no Brasil

As universidades brasileiras seguem realizando grandes avanços no ensino superior. Vamos em busca das raízes destes tempos que estamos vivendo

Dá para pensar, e nada tem de muita novidade, que por milênios todas as gerações passadas sempre estavam conscientemente estabelecendo as bases do crescimento futuro, sem maiores preocupações. A atual geração, neste mesmo compasso, em seu pleno vigor, sonha subir até às nuvens. São fatos que sempre se repetirão.

Em 1973, minha geração aprendeu algo inesquecível. O Brasil estava quebrando recordes, os planos de nosso governo, para variar, não tinham limites precisos. A verdade era, indo a estes fatos, saber que eram extremamente ambiciosos. Inesperadamente a crise do Petróleo varreu da mesa todos aqueles projetos faraônicos. Os céticos diziam que amanhã o sol pode não nascer. Hoje, sabemos que estavam certos, o sol tem seus milênios contados. Não foi em vão também que Jean-Paul Sartre se envolveu em seus pensamentos sobre o “Minuto”. O que está sendo vivido agora é o fugaz minuto presente. Logo a seguir, como um raio, será o passado. Em cima de nosso espanto, com a velocidade do movimento que está sendo apreciado, logo logo o próximo minuto, que ainda está no futuro, por sua vez estará se tornando o presente.

As universidades brasileiras seguem realizando grandes avanços no ensino superior. Vamos em busca das raízes destes tempos que estamos vivendo. Sem preocupação de traçar novas conjunturas, as quais, sem mais críticas sobre elas, necessariamente precisam fazer seus planos, mas que sejam factíveis e sob uma atenção constante. Em suma, isso não cabe ser sonhado, nem prometido.

Bem longe, amadurecendo muito no passado, a partir dos séculos XVII e XVIII, a História das Ciências assumia sua identidade desde que começou a ser escrita após as Revoluções Filosóficas e Científicas. Este conhecimento crescente gerou as Pesquisas Indus(triais, as Médicas, as Biológicas, criando em seguida os conhecidos avanços na Física, na Química, e convivendo com as teorias de Galileu Galilei e de Isaac Newton, coisas bastante profundas, Ad infinitum. O exame do DNA em tempos modernos foi a prova final das teorias de Charles Darwin. Daí Alfred Russel Wallace, filósofo, ter perdido muito da sua razão com relação aos seus incômodos desafios a Darwin.

Indo direto aos fatos, não esqueçamos que os membros de minha geração já podemos e até devemos atuar mais como Historiadores, Sociólogos etc. em relação a estes métodos científico-pioneiros, abrindo então variações clonadas desses caminhos, sem perder originalidade e apoiados em fundações sólidas, relativamente aos estudos e pesquisas na História.

Indo mais a fundo nesta questão, em particular, surgiram imediatamente apoios ao espírito renovador de nossos novos Historiadores, tal como agiu Roberto Simonsen, grande admirador de um historiador, que dizia ser seu mentor, Pandia Calógeras, engenheiro de Minas e Metalurgia, autor da “Formação Histórica do Brasil” [1], o único Civil, até hoje, na posição de Ministro da Guerra.

Calcado em seus estudos econômicos, Simonsen demonstrou como eram obsoletas as velhas “Histórias do Brasil” regidas por um excesso de “achismos”, episódios “torcidos”, supostamente ocorridos nos tempos coloniais até a volta de D. João VI para Portugal.

Assim pensando, todos nós podemos também nos ambientar com as verdades. De fato, com esta virada nos compêndios econômicos, deste então, nos idos de 46/50, tudo aquilo para mim tornou-se um paradigma quanto à regra de obter a explicação total dos fatos que geraram episódios mal explicados. E pesquisando sempre o porquê, quanto certas coisas progrediram ou não. Mais ainda, para saber como vingaram certos projetos. E esmiuçar episódios para checar se aquilo foi possível, quem tornou possível. Esta era a ideia.

Dando um exemplo de uma pesquisa positiva, poucos sabem, ou talvez porque não ligaram os fatos, que em 1931 Getúlio Vargas falou à nação pelo rádio, e por alto, sobre seus planos de industrialização. No fundo, queria falar mais objetivamente, pregando a implantação da Siderurgia pesada no Brasil.

Macedo Soares deu seu depoimento a respeito disso a pesquisadores da FGV (Fundação Getúlio Vargas): como ouviu o discurso, à noite, em casa, acercou-se de Getúlio e dele obteve total apoio para estudar um projeto, que em si foi mudando de patrono, aliás, com a queda do próprio Getúlio. Neste ponto, Macedo Soares e todos nós já estávamos numa época avançada, a ideia da CSN já estava acontecendo fisicamente. A obra e a Montagem da Usina de Volta Redonda, começaram ainda em tempos da 2ª Guerra Mundial, quando navios com equipamentos fabricados pela USSteel foram a pique.

Macedo Soares driblou todos estes erros de percurso. Finalmente, a CSN foi inaugurada em 1946. Lanço então duas perguntas ao leitor: (a) Era uma verdade dizer que Getúlio manobrava com a Alemanha para criar uma usina siderúrgica? ; (b) Por que Macedo Soares, mentor e criador de toda a obra relativa à CSN, não era o presidente da mesma quando ocorreu a inauguração?

Esta coluna espera ser sempre uma referência para os leitores interessados neste passado, e também, logicamente, para aventar os pesquisadores de hoje que agem na Siderurgia com suas pesquisas, que tudo advém do esforço para criarmos os primeiros Centros de Pesquisa, já na década de 50/60, lutando por equipamentos e formação de pesquisadores no exterior.

O fato é que “ad hoc” cada empresa siderúrgica organizou o funcionamento desta atividade, a seu modo, atendendo ao grande interesse por parte de candidatos para pertencerem aos laboratórios que assim surgiram, dos quais trataremos futuramente, como será visto adiante. Podemos contar também com um braço paralelo que dinamizou estas atividades, a SBHC (Sociedade Brasileira da História das Ciências – http:/www.sbhc.org.br/), da qual sou sócio. Cumpre ao SBHC seu relacionamento com outras entidades congêneres, situadas no exterior.

Objetivamente, tenho realizado muitos estudos nesta área, com a aplicação de métodos científicos para historiar a evolução da Siderurgia Brasileira. Como resultado inicial obtive neste ano de 2013 um Título de Mestrado em História das Ciências [2] oferecido pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Dando um passo à frente, já no início de 2014 estarei estudando em Ouro Preto, na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto [3]), trilhando o mesmo caminho pelo qual caminhei na UFRJ, desta vez para obter um título de doutorado, segundo uma linha de pesquisa que será descrita proximamente nesta coluna.

Convido então os leitores desta revista para um aprofundamento que julgo interessante fazer sobre este tema, analisando apenas três casos nesta coluna de hoje, e concluindo, no final da mesma, com algo a respeito do conteúdo da tese do doutorado que tenho em vista realizar.

Apresso-me então a dizer, com a oportunidade que esta revista me concede, que analisando o conjunto de setores que cimentaram os passos da siderurgia brasileira, entre muitos episódios, ali estará sempre presente um dos baluartes na indústria brasileira, ou seja, o setor de autopeças, sem o qual as montadoras, na hora certa, não teriam sucesso. Guardo tudo isso na memória, observando o problema como um todo.

É interessante então anotar que, além da UFRJ, a qual é hoje a descendente da primeira universidade criada no Brasil [4], mais dois casos semelhantes neste particular emergem. Em primeiro lugar, a POLI (Escola Politécnica de São Paulo) e, em seguida, a universidade que frequentei nos Estados Unidos na década de 50/60.

Pretendo realçar a importância que estas experiências “ao vivo” nos prepararam para que chegássemos aos novos tempos com todo o gás que seria necessário.

A POLI

Nossa memória nos traz a lume e revela bem como foram criadas, num passado bem remoto, outras universidades, com grande tirocínio por parte de seus fundadores. Tomei como exemplo, com especial destaque a antiga POLI [5], fundada em 1893, em São Paulo, por seu emérito criador, Professor Antônio Francisco de Paula Souza, notável educador que estudou na Áustria.

Como aluno que conviveu com modernos desenvolvimentos no ensino, clonou os métodos que observou e assim desenvolveu esta iniciativa brilhante que foi a famosa POLI.

O IPT

Ao delinear o padrão de ensino a ser oferecido, Paula Souza criou na POLI um Gabinete de Materiais, cujos primeiros pesquisadores saíram da mesma em 1899, instalando um laboratório de pesquisas nas suas imediações. Em 1934, o Laboratório de Ensaios de Materiais foi transformando em IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), por Ary Torres, hoje administrado por meu especial amigo, Fernando José Gomes Landgraf, Diretor Presidente do IPT [6].

Milton Vargas, nosso saudoso colega, ex-aluno da POLI, e durante sua vida um dos expoentes do IPT, lembrou-se sempre da frase de Paula Souza: “…pela manhã aulas, pela tarde laboratórios”.

Torna-se oportuno recordar que como engenheiro da Acesita, durante um Mestrado, obtido em 1958, na Universidade “Rutgers”, The State University of New Jersey, em Nova Jérsei, EUA, na cidade de New Brunswick, NJ, fundada em 1876, ali já cursávamos a História das Ciências, independentemente das aulas de metalurgia, cristalografia, refratários, uso do raio X para estudar espécimes polidas de aço etc.

Desta forma, mantínhamos uma fonte de informação que nos explicava os primeiros passos das tecnologias que chegaram até nós. Cabe a nós lembrarmos aos colegas de hoje onde estão as raízes deste HOJE na siderurgia brasileira.

Podíamos escolher as aulas que mais conviessem a nossos estudos, e assim fiquei conhecendo Robert B. Sosman, o 1º PhD do conhecido MIT (Massachussets Institute of Technology), sediado em Boston, MA, EUA. Ele atingiu seu doutorado em química no ano de 1906. E estava firme em suas aulas, com a mesma idade que tenho hoje, como professor de História das Ciências.

O Bessemer

Sosman operou um Bessemer (nota do editor: forno conversor Bessemer para produção de aço. O processo foi criado por Henry Bessemer em 1855) trabalhando na USS (United States Steel Co.). Após a 2ª Guerra Mundial, o Bessemer foi substituído pelos BOF Blast Oxygen Furnace americanos, projetados, construídos e patenteados pela USS. Mas, os BOF, que eram a mesma coisa que os LD (Conversor LD), com nome diferente, frente a alguns avanços do LD, o nome então, BOF sumiu do palco.

Sosmam me proporcionou inúmeras “dicas” para trabalhar com o Bessemer, o que transmiti a meus colegas na Acesita.

Foi ele também quem me apresentou aos pesquisadores da Bethlehem Steel Co., situada em Bethlehem, PA, USA, com quem mantive contato durante muitos anos. Com minha interferência, vendi como representante da Bethlehem o processo Galvalume, para a CSN, na década de 80, o que será visto adiante.

O LD

Quem se firmou neste quadro de progressos na área dos equipamentos siderúrgicos foram os novos convertedores LD, uma junção das iniciais das cidades Austríacas Linz e Donnawitz, cidades-sede da usina Vöest Alpine, a qual projetou, construiu e operou um LD, que ainda esta lá, em um museu.

O LD se espalhou rapidamente, mas na Acesita Aços Especiais (hoje APERAM) operávamos um Bessemer e dois fornos elétricos, até bem mais tarde, fazendo as pesquisas com uma bancada metalográfica e usando o laboratório de química como invasores.

Muito longe estão estes tempos. Na ABM (Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração), apresentei muitos trabalhos, e hoje me dedico a historiar, como isso evoluiu, até o ponto em que hoje estão em serviço jovens que provavelmente gostariam de conhecer estas trajetórias, lembrando a velha frase de que “O passado nos explica o presente”, mostrando que esta marcha contínua está desafiando hoje o que o mercado quer que seja produzido.

Galvalume

Nos Estados Unidos, após Rutgers, sempre estive perto do desenvolvimento do “Galvalume”, uma liga de 55% Alumínio e Zinco desenvolvida pela Bethlehem Steel Corporation (1857), hoje APERAM, onde existia um laboratório de pesquisas (“The Holmes Laboratory”) com cerca de 1200 membros, entre os quais cerca de 300 PhD’s e outro tanto de M.Sc’s

Mais tarde eu conhecia tanto este processo o que me permitiu negociar pessoalmente, representando a Bethlehem, na década de 80, com os Engenheiros da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional).

Vendemos o processo com exclusividade para a empresa. Hoje, são perto de 80 empresas siderúrgicas, mundo afora, e a Bethlehem planejou isso de tal forma que todos os que adquiriram o uso da patente fazem pesquisas que são divididas entre todas as usinas. Dificilmente alguém poderá investir em uma pesquisa solitária nesta área para produzir novas chapas anticorrosivas, que, aliás, assumiram definitivamente o papel das chapas zincadas, que ainda atendem uma parte do mercado.

Tenho uma grande satisfação, a de ter meu nome incluído no livro da BIEC (Bethlehem International Engineering Company), a qual se desmembrou da Antiga Bethlehem e manteve os direitos referentes ao Galvalume, hoje em suas mãos, com os pesquisadores iniciais que idealizaram a ideia de criar o Galvalume.

A cada seis meses todos os usuários do Galvalume se reúnem para trocar novos conhecimentos e avanços da tecnologia aplicada ao processo, até hoje em grande progresso.

Finalizando, hoje esta coluna apenas preparou o terreno para que façamos mais comentários na próxima edição, algo assim na linha do Doutorado, porém simplificadamente, onde tratarei dos primórdios da preparação para esta nova atividade.

Desde já anuncio que num caso especial, dirigir-me-ei a todas as fontes de informações possíveis, e, nesta minha colaboração com esta revista, com todos os técnicos das empresas de autopeças, aos quais solicitarei ajuda para completar minha tese.

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[1] Formação Histórica do Brasil, publicada pela Companhia Editora do Brasil na prestigiada coleção” Brasiliana”.
[2] UFRJ – Fred Woods de Lacerda, M. Sci. ”A evolução da fabricação do ferro no Brasil, desde 1850, e a importância da PI Pesquisa Industrial para a produção do aço, após 1922.”
[3] A Escola de Minas de Ouro Preto foi uma das iniciativas foi fundada em 12 de outubro de 1876, pelo cientista francês Claude Henri Gorceix, apoiado pelo então imperador Dom Pedro II. A escola foi pioneira na formação de geólogos nacionais.
[4] Em 1792, o vice-rei D. José Luís de Castro, Conde de Resende, assinou os estatutos aprovando a criação da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho do Rio de Janeiro, segundo o modelo da Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho de Lisboa, iniciando o ensino de disciplinas que seriam a base da engenharia no Brasil. Mais tarde, já em 4 de dezembro de 1810, o Príncipe Regente D. João VI assinou uma lei criando a Academia Real Militar, que veio suceder e substituir a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, e de onde descendem, em linha direta, o conhecido IME (Instituto Militar de Engenharia), e a Escola Central, em 1858, e esta logo em seguida com o título de Escola Polytechnica do Rio de Janeiro. Continuando, esta mesma escola foi posteriormente mudada para Escola Nacional de Engenharia, alterada em seguida para Escola de Engenharia. Esta última, em outubro de 2004, tornou-se vinculada à UFRJ.
[5] Hoje é a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
[6] Abrir na Internet com a seguinte frase para uma busca na Internet: “IPT Linha do tempo”.

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