Efeito do tratamento criogênico nas propriedades dos aços ferramenta

Foi investigado o efeito do tratamento criogênico (TC) nas propriedades dos aços ferramenta ledeburíticos. O TC também é utilizado nos tratamentos térmicos convencionais para melhorar as propriedades mecânicas e a resistência ao desgaste e diminuir a quantidade de austenita retida

A tecnologia do TC foi desenvolvida na década de 1960 e ainda hoje apresenta opiniões contraditórias entre os cientistas. Alguns estudos mostram que o TC melhora a dureza, a resistência ao desgaste, a resistência ao dobramento, a tenacidade, a resistência à fadiga, entre outros, mas alguns cientistas não concordam. Além disso, os experts não concordam em qual é o principal fator influenciando os resultados quando o TC é aplicado – temperatura de austenitização, taxa de resfriamento, temperatura de têmpera, tempo de permanência, taxa de aquecimento ou temperatura de revenimento. A discussão mais séria vem do mecanismo de precipitação de carbonetos finos.

Quando exatamente eles se formam e qual o seu efeito nas propriedades mecânicas? A classe do aço tratado por TC também é importante. Um efeito significante é visto no aço X153CrVMo12 (AISI D2), e em outros é mais disputado. Nossos experimentos são focados em um aço ledeburítico, resistente ao desgaste e produzido por Metalurgia do Pó (MP). O objetivo é determinar o TC ideal (temperatura e tempo) que possa prolongar o ciclo de vida de aços ferramenta para trabalho a frio, tendo em mente os gastos com tratamentos adicionais. A investigação encontrou diversos resultados interessantes, mas levantou ainda mais questões.

Introdução

Os aços ledeburíticos contêm ledeburita em sua estrutura. É possível agradecer aos elementos de liga como o Cr, o V, o W e o Mo, que aumentam o campo da ferrita e diminuem o campo da austenita. Os elementos de liga movem o ponto eutetóide (S) e a solubilidade de carbono (E) para valores mais baixos de carbono. A estrutura dos aços ledeburíticos temperados consiste de martensita, austenita retida e carbonetos primários, eutéticos e parcialmente secundários não dissolvidos. A quantidade de austenita retida aumenta com temperaturas de austenitização mais altas devido à maior saturação da austenita com carbono e adições de elementos de liga que diminuem a temperatura de início da transformação martensítica (Ms) [1]. Além disso, ao se exceder a temperatura ideal de austenitização significa que a Ms cairá para bem abaixo da subzero. Por exemplo, a temperatura Ms do X153CrVMo12 (1.2379, AISI D2) é 175°C para uma temperatura de austenitização de 1050°C, mas é de -100° para uma temperatura de austenitização de 1200°C [1].

Para alcançar um nível mais alto de transformação martensítica e de redução da austenita retida, é necessário inserir um TC entre a têmpera e o revenimento (Fig. 1). O TC é acompanhado por mudanças nas propriedades mecânicas como a tenacidade, dureza, resistência à fadiga, tenacidade à fratura e resistência ao desgaste. O impacto do TC nas propriedades mecânicas é significativo e positivo dependendo da classe do aço. A maioria dos estudos concorda que o efeito do TC nos aços rápido é mais negativo e não traz tantas vantagens. Outra opinião domina para os aços ledeburíticos ao Cr e o Cr-V onde a resistência ao desgaste, em particular, aumenta de forma significativa (Tabela 1) [2]. Após o TC são necessários vários revenimentos. O revenimento é um processo muito importante na formação das propriedades dos aços ferramenta porque a maioria deles tem capacidades para o endurecimento secundário. É por isso que todos os estudos que lidam com o tratamento criogênico devem também considerar a temperatura ideal para o processo de revenimento.

Experimento

Experimentos Prévios – Aço Uddeholm Vanadis 6

Um time de práticos e cientistas foi designado para investigar como prolongar o ciclo de vida de um aço ferramenta para trabalho a frio com necessidades de alta resistência ao desgaste e boa tenacidade. O aço Uddeholm Vanadis 6 foi escolhido, sendo um aço ligado Cr-Mo-V obtido por Metalurgia do Pó, o qual é caracterizado por sua alta resistência ao desgaste abrasivo/adesivo e alta tenacidade para prevenir falhas prematuras devido à formação de trincas. O ciclo de vida é dependente do tratamento térmico e, por outro lado, o tratamento térmico depende da aplicação da ferramenta.

De acordo com as recomendações do produtor do material, a melhor receita para a ótima resistência ao desgaste do Vanadis 6 consiste em uma temperatura de têmpera de 1050°C e triplo revenimento a pelo menos 525°C. Foram feitos dois tipos de amostras. A primeira, com Ø17 x 10 mm, foi utilizada para investigações estruturais e medidas de dureza. A segunda, 10 x 10 x 100 mm, foi utilizada para o ensaio de dobramento em 3 pontos. Estas amostras foram finamente polidas para uma rugosidade superficial de 0,2 a 0,3 mm. O tratamento térmico foi uma combinação do seguinte (Fig. 1):

– Austenitização sob vácuo a 1000 – 1075°C por 30 minutos;
– Têmpera em nitrogênio gasoso com 5 bar de pressão;
– TC em nitrogênio ou nitrogênio líquido a -90°C por 4 ou 10 horas e -196°C por 4 ou 10 horas;
– Duplo revenimento nas temperaturas de 530 ou 550°C por 2 horas;
– Um grupo de amostras foi tratado sem TC para comparar os resultados.

Resultados

As conclusões das investigações com o Vanadis 6 são:

– A resistência ao dobramento em 3 pontos é, geralmente, mais alta para as amostras com TC a -196°C por 4 horas que as mesmas a -90°C por 4 horas ou sem TC. O significado desta diferença é elevado com o aumento da temperatura de austenitização.
– O aumento do tempo de permanência à temperatura subzero para 10 horas não produz nenhum benefício quanto à tenacidade como determinado pelo ensaio de resistência ao dobramento em 3 pontos.
– A dureza das amostras com TC (-196°C por 4 e 10 horas) é cerca de 2,5 HRC menores do que do Vanadis 6 sem TC e é a mesma que com o resfriamento profundo a -90°C, não importando o tempo de permanência à temperatura subzero.
– A microestrutura das amostras processadas com TC é diferente no subzero em muitas formas. Apesar disso, deveria ser analisada com MET (Microscópio Eletrônico de Transmissão) para uma descrição melhor [3].

De forma geral, não há vantagens significativas que prolongariam o tempo de vida das ferramentas devido ao aumento na resistência mecânica e tenacidade. Nós podemos perceber algumas melhoras, mas o TC não faz sentido considerando-se os aspectos econômicos. Experimentos reais realizados com ferramentas feitas de Vanadis 6 não mostraram aumento do ciclo de vida.

Investigações com outros Aços Ferramenta

Uddeholm Sverker 21 (AISI D2) e Vanadis 4 Extra

Os ensaios para trabalho a frio do Vanadis 6 foram realizados em cooperação com a Uddeholm. Eles mudaram o nosso foco para o TC do aço ferramenta convencional Sverker 21, o qual tem um ciclo de vida duas vezes maior que o Vanadis 6. Graças às discussões com os especialistas da Uddeholm na República Tcheca, nossa equipe decidiu adicionar o aço Uddeholm Vanadis 4 Extra aos nossos ensaios com TC.

O Sverker 21 (AISI D2) é um aço ligado ao Cr-Mo-V feito por metalurgia convencional com alta resistência ao desgaste, estabilidade dimensional, alta resistência à compressão, boa temperabilidade e boa resistência ao revenido. O Vanadis 4 Extra é um aço ligado ao Cr-Mo-V produzido por Metalurgia do Pó com tenacidade muito boa, alta resistência à abrasão e à adesão, alta resistência à compressão, boa temperabilidade e boa resistência ao revenido. As composições químicas de todos os materiais investigados são apresentadas na Tabela 2.

Foram produzidas amostras de ambos os aços com dimensões de 10 x 10 x 120 mm para ensaios de dobramento em 3 pontos e para medições de dureza. O tratamento térmico ideal foi escolhido com base em nossos experimentos prévios com o Vanadis 6:

– Austenitização sob vácuo a 1025°C por 30 minutos;
– Têmpera em nitrogênio gasoso com 5 bar de pressão;
– Tratamento criogênico em nitrogênio ou nitrogênio líquido a -90°C por 4 ou 10 horas e -196°C por 4 ou 10 horas;
– A temperatura de revenimento foi escolhida para alcançar a máxima dureza secundária (-480°C para o Sverker 21 e 530°C para o Vanadis 4 Extra);
– Um grupo de amostras foi tratado sem TC para comparar os resultados.

Resultados

Os ensaios de dobramento em 3 pontos foram realizados em ambos os materiais (sob as mesmas condições que o Vanadis 6) e comparados com os resultados obtidos durante aquela investigação. A Fig. 2 mostra a resistência ao dobramento medida para quatro condições:

– Q – como temperada e revenida;
– 90/4 = como temperada, TC a -90°C por 4 horas e revenida;
– 90/10 = como temperada, TC a -90°C por 10 horas e revenida;
– 196/4 = como temperada, TC a -196°C por 4 horas e revenida;
– 196/10 = como temperada, TC a -196°C por 10 horas e revenida;

A dureza também foi investigada. A Fig. 3 mostra a comparação dos valores de dureza medidos para os mesmos materiais e condições de tratamento térmico descritas para o ensaio de dobramento.

Olhando para os gráficos, é óbvio que a resistência ao dobramento do Vanadis 4 Extra, em geral, excede a dos outros materiais. Para cada material, a condição de TC não influenciou a resistência ao dobramento em 3 pontos de maneira significativa. Nós só podemos avaliar as diferenças entre 3 tipos de aços.

A comparação dos valores de dureza provou que as amostras como temperada e revenida para ambos os Vanadis foram as mais altas. Considerando o Sverker 21, as variações nos tratamentos térmicos não impactaram na dureza.

Os valores mais altos de dureza para as amostras sem TC correspondem às menores resistências ao dobramento, demonstrando a relação entre dureza e tenacidade. Nós esperávamos maiores valores de dureza devido ao tratamento subzero, mas é mais complexo do que isto porque pelo menos 3 fenômenos estão ocorrendo durante os processos de revenimento:

1. O revenimento da martensita sempre é associado com uma queda na dureza. Entretanto, assume-se que o desenvolvimento da martensita após o TC não difere de forma significativa do desenvolvimento após a têmpera simples, apesar da maior tetragonalidade [2,3].

2. A transformação da austenita retida a partir da temperatura de revenimento, a qual corresponde ao pico de dureza secundária, causa um aumento na dureza. Logicamente, a contribuição da transformação da austenita retida para o aumento na dureza é menor se for feito o TC.

3. A precipitação dos carbonetos durante o revenimento é a próxima razão para o aumento da dureza. Stratton et. al. assumiram que a precipitação dos nanocarbonetos pode ocorrer durante a permanência à temperatura criogênica.

Conclusões

1. A resistência ao dobramento em 3 pontos é significativamente mais alta para o Vanadis 4 Extra, especialmente para -90°C por 4 horas. As diferenças para as outras opções de TC, incluindo sem o TC, não são boas. Os menores valores foram observados para o Sverker 21.

2. Maiores tempos de TC não melhoraram a resistência ao dobramento em 3 pontos ou a dureza, que são os mesmos valores para todos os materiais investigados.

3. A dureza dos materiais com TC é menor se comparado com as amostras sem TC em 1 ou 2 HRC e independe do tempo de permanência no TC.

4. As diferenças que têm sido provadas entre o TC e sem TC não são importantes na prática se considerarmos os custos do TC.

5. Os investigadores não têm uma opinião única em relação aos benefícios do TC, apesar de pesquisas estarem sendo feitas há mais de 50 anos. As conclusões e os resultados obtidos não diferem muito de aço para aço.

6. Investigações prévias mostraram que é mais importante prestar atenção na classe do aço. O ganhador das investigações feitas foi o Vanadis 4 Extra, o qual é produzido por Metalurgia do Pó. Por outro lado, o Sverker 21, produzido por metalurgia convencional e TC, tem o dobro da vida do Vanadis 6.

7. É válido continuar as pesquisas com os ensaios de desgaste, avaliação da microestrutura, medidas de austenita retida etc. O mais importante serão os ensaios reais realizados para as ferramentas feitas com o Vanadis 4 Extra.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao Ministério da Indústria e Comércio da República Tcheca pelo suporte financeiro para a solução do projeto TIP FR-TI1/003.

Para mais informações, contate: Petra Salabova ou Otakar Prikner, Prikner, República Tcheca, p.salabova@prikner.cz; www.prikner.cz.

 

  • Luiz Roberto Hirschheimer
    10 de agosto de 2017 at 20:21

    Em minha opinião, os ciclos de tratamentos térmicos devem sempre seguir as recomendações do produtor de aço. Afinal, estes investem muito no desenvolvimento de seus produtos.
    A introdução de um processo sub-zero (criogênico) no ciclo de tratamento vale a pena ser realizado quando, a ferramenta fo, posteriormente, revestida por um processo PVD. A aderência deste depósito à superfície da peça depende, fundamentalmente, da menor quantidade de austenita retida possível de ser obtida no aço.

  • Paulo Freitas
    11 de setembro de 2017 at 08:58

    Trabalhei por mais de três anos aplicando ciclos criogênicos em aços ferramentas (aços rápido, trabalho a frio e a quente, convencionais, ESR e PM ) e os resultados se mostraram , muitas vezes superiores, aos ciclos sem a criogenia, principalmente quando a alta tenacidade é uma propriedade requerida. Como a aplicação era na prática e o retorno dos clientes sempre positivo a ponto de passarem a solicitar o processo para suas peças, eu recomendaria sim o tratamento criogênico para todos os aços ferramentas e é claro todas as recomendações de tratamento térmico fornecidas pelos fabricantes dos aços.

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