Lubrificante de matriz – Parte IV: Toyota Paper – Atomização externa

Como já dissemos na coluna anterior, os primeiros sistemas de lubrificação de matrizes eram derivados dos sistemas de aplicação de fluidos refrigerantes em máquinas de usinagem. Uma bomba, em geral centrífuga, suga o fluido de um reservatório e o conduz para os locais de uso onde são despejados em forma de um jorro líquido. O excesso é recolhido e volta para o tanque. Pronto, tínhamos um sistema de flooding como ainda temos muitos por aí em prensas pequenas.

Já prensas maiores precisavam de um volume deslocado maior chegando até aos chamados sistemas airless, nos quais uma bomba, em geral de pistões, pressuriza o lubrificante até 80bar ou mais. Isso não é muito sadio para a delicada dispersão de sólidos em água e outras formas tiveram que ser encontradas com pressões de ar comprimido encontradas comumente em qualquer indústria, de 6 a 7 bar. Com o ar “turbinando” o lubrificante e aumentando o impulso, estava criado o sistema de pulverização chamado airmix.

Aí foi criatividade total! Alguns fabricantes apostaram em enormes difusores no melhor estilo carburador com lubrificante sendo injetado em venturis de 2” de fluxo de ar para alimentar até 200 furos de saída numa complicadíssima configuração para homogeneizar os fluxos e as pressões de saída. Outros já apostavam nas chamadas válvulas de atomização por injeção concêntrica com recursos tipo turbo para melhorar a atomização e outros obtinham a pulverização por cisalhamento, no qual o fluxo de lubrificante entrava perpendicularmente ao duto de ar. Todos estes sistemas tinham algo em comum, a posição dos atomizadores era longe dos pontos de utilização, alguns para aumentar o conforto de regulagem num local de fácil acesso do operador ou por conveniência construtiva, como no caso dos grandes difusores, e havia mangueiras, muitas mangueira que ligavam os fabricantes de pulverizado aos bicos de saída.

Outro ponto em comum é que o que saía dos bicos era um pulverizado grosso, úmido e com qualidade terrivelmente variável ao longo do ciclo de pulverização. Como ficou comprovado posteriormente, gotículas de lubrificante “voando” em suspensão no fluxo de ar é uma situação extremamente instável e que depende do próprio fluxo de ar. A perda de carga causada pelo atrito do fluxo nas paredes internas dos dutos, piorado por depósitos de lubrificante seco estreitando as passagens e bicos de saída inadequados, acabam causando um colapso no fluxo de ar e as gotículas de lubrificante que voavam dentro do fluxo de ar, agora parado, acabam ficando sem sustentação e caem na parede interna do tubo ou mangueira. Lá, por nucleação, as gotículas se juntam e formam poças. O ar, que parou, no caminho para a saída, acaba criando uma contrapressão que anda “para trás”. A tendência é essa contrapressão acabar empurrando o lubrificante de volta para o vaso de pressão que era usado como “bomba”! Imagine uma pista de três vias estreitada para uma. O congestionamento vai ficando cada vez mais longo como numa onda de choque que anda para a jusante.

Mas, o que acontece na matriz onde, afinal, o lubrificante deveria estar criando uma camada protetora? Quando a contrapressão se estabelece não sai mais nada pelos bicos e acaba se forjando metal sobre metal. No próximo ciclo de lubrificação, o novo fluxo de ar arrasta em primeiro lugar as poças de lubrificante que ficaram dentro dos tubos jogando jorros de lubrificante e não gotículas sobre as matrizes. Caso o equipamento fique algum tempo parado (por exemplo, num setup), as poças de lubrificante dentro das mangueiras secam e criam uma “arteriosclerose” nos dutos, estreitando cada vez mais a passagem. Conforme a temperatura da superfície das matrizes, estes jorros podem causar o efeito Leidenfrost, que é a sublimação da água em vapor de água superaquecido que se adere à superfície quente, é isolante térmico e impede a retirada de calor da matriz.

Nestas alturas, o sistema de lubrificação já entrou em total colapso. Foram desenvolvidas contramedidas, mas nunca se chegou a uma situação ideal. Em contraposição ao que viria a seguir, este sistema acabou sendo chamado de atomização interna.

Em 1993, dois engenheiros japoneses Tatsuro Iwama e Yasuhiro Morimoto, da Material Engineering Division da Toyota Motor Corporation, publicaram uma matéria, “Die life and lubrication in warm forging”, que ficou conhecida como Toyota Paper. Transcrevo resumidamente o abstract considerando que isso ocorreu há mais de 20 anos.

“Já que o forjamento a morno possibilita o processamento de peças de grande resistência com alto nível de precisão, é possível eliminar a usinagem das pistas de esferas internas na parte externa de juntas homocinéticas. A aplicação deste processo tem aumentado a cada ano e o tamanho das peças assim processadas continuam a crescer. A severidade do processo incluindo maior redução da área de seção e maior comprimento de extrusão reversa também cresceu. Um dos resultados disso é que a vida útil do punção de extrusão reversa diminuiu em condições normais de processo. Este relatório contém contramedidas para aumentar a duração da vida do punção. São apresentados os resultados da investigação. A vida útil dos punções de extrusão reversa é afetada por fadiga térmica e perda de dureza da camada superficial do punção. Para aumentar a vida útil do punção, é importante que exista um filme de lubrificação seco e firmemente aderido ao ferramental. A faixa de temperatura que proporciona este filme de lubrificação de espessura apropriada está entre 200 e 300ºC. O filme lubrificante bem aderido pode ser criado no menor tempo fazendo as gotas de lubrificante muito pequenas. ”

O Toyota Paper não disse como Iwama e Morimoto conseguiram variar a condição de pulverização (muito pequenas) e apenas qualificaram os pulverizados como “finely atomized” e “poorly atomized”. Por isso que este relato provocou uma corrida à determinação do tamanho de gotículas no leque pulverizado. Uma universidade desenvolveu um método de medição de gotículas no leque pulverizado mostrado a seguir.

Com este método se dispõe de uma importante ferramenta para a construção de dispositivos de pulverização, chamados vulgarmente de bicos de pulverização. O melhor bico se revelou sendo aquele onde a mistura do líquido com o ar é feita exatamente no leque de saída do ar, criando o conceito de atomização externa. O resultado acabou sendo a obtenção de dispositivos que emitiam gotículas incrivelmente homogêneas em tamanho e, portanto, com velocidades iguais e vazões controláveis pelas pressões de forma linear.

Com isso, estava assegurado o controle remoto através de reguladores de pressão por CLP. Na realidade, a atomização externa só é uma novidade neste campo de aplicação, esta técnica sempre foi usada na pintura onde as vazões são menores e as condições de aplicação muito menos severas (temperaturas do substrato e condições do ambiente).

Na forjaria, muitos benefícios são proporcionados por este sistema. Alguns são:

• Ausência total de contrapressão, nenhuma variação de desempenho durante o ciclo, claro, garantido o fornecimento de ar a pressão constante;

• Ausência total de entupimentos, já que não há coexistência de ar e lubrificante;

• Início da pulverização nas condições ideais mantidas durante o ciclo todo;

• Gotículas suficientemente pequenas para garantir uma evaporação rápida, excelente retirada de calor sem formação de efeito Leidenfrost.

Com a evaporação rápida da água das gotículas, o lubrificante sólido se ancora firmemente (e rapidamente) na superfície da matriz mesmo a temperaturas elevadas.

Exatamente como o Toyota Paper resumiu: “O filme lubrificante bem aderido pode ser criado no menor tempo fazendo as gotas de lubrificante pequenas. ”

Quem se interessar pela íntegra do Toyota Paper posso fornecer. É só me contatar no e-mail henristrasser@uol.com.br.

Ao projeto em volta da atomização externa chamou-se de nova tecnologia de pulverização, pois além dos bicos revolucionários ainda tem toda uma estrutura de comando robotizada que começou a ser introduzida na indústria da forjaria a partir de 1995. No Brasil, os primeiros equipamentos chegaram em 1999. O problema é que os equipamentos antigos, funcionando segundo técnicas e tecnologias anteriores, não são retrofitáveis para a nova tecnologia. Por isso, somente novas instalações estão equipadas com a nova tecnologia.

O que esta tecnologia é capaz de fazer já é um próximo assunto.

 

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