Nitretação sob plasma – Fundamentos e aplicações – Parte II

Os aços inoxidáveis austeníticos são amplamente utilizados por sua elevada resistência à corrosão nos mais diferentes meios, particularmente para o AISI 316L, em aplicações nas indústrias química, alimentícia, farmacêutica, papel e celulose, petróleo & gás etc. Entretanto, este aço possui baixa dureza e é suscetível a elevadas taxas de desgaste. Considerando que estes aços não endurecem por nenhum tratamento térmico, sofrem apenas endurecimento por encruamento, a utilização do tratamento termoquímico de nitretação oferece uma opção real para elevar a dureza superficial destes aços e, com isto, sua resistência ao desgaste. Entretanto, a nitretação dos aços inoxidáveis austeníticos, nas temperaturas convencionais dos processos gasoso e líquido, pode levar a uma perda considerável da resistência à corrosão por causa da precipitação de nitretos de cromo.

Outro ponto de fundamental importância nos aços inoxidáveis é a presença do filme passivo de óxido que precisa ser removido antes da nitretação. Nos processos convencionais de gás e sal esta remoção ocorre por método ácido/químico ou mecânico e invariavelmente deteriora o acabamento superficial de componentes. O processo sob plasma possibilita a remoção da camada passiva de Cr2O3 por uma etapa de bombardeamento iônico que é realizada antes da nitretação, mas durante o tratamento superficial (está sem sentido). Nesta etapa, denominada “sputtering”, os íons de hidrogênio, com argônio ou não, bombardeiam a superfície com elevada energia cinética e removem o filme. Em conjunto, o hidrogênio promove a redução do óxido de cromo que constitui o filme. Este processo remove o filme passivo e ativa a superfície para a nitretação posterior sem causar os problemas da decapagem química ou da remoção mecânica.

Quando os aços inoxidáveis são nitretados em temperaturas acima de 500°C a formação da camada nitretada é acompanhada por uma intensa precipitação de nitretos de cromo do tipo CrN e Cr2N [1,2], que é decorrente da forte interação entre Cr e N [2,3]. O endurecimento por precipitação atinge valores superiores a 1200 HV [1]. Entretanto, a formação de nitretos de cromo é acompanhada de uma diminuição na concentração de cromo na matriz e causa uma diminuição da resistência à corrosão da superfície nitretada, principalmente nos aços inoxidáveis austeníticos [4], podendo inviabilizar seu uso em muitas aplicações.

Para suplantar esta limitação com relação à temperatura de processo e evitar a precipitação de nitretos de cromo o processo de nitretação sob plasma é particularmente importante. Na região do plasma a energia cinética dos íons em colisão com a superfície da peça permite que a difusão do nitrogênio ocorra em temperaturas e tempos reduzidos e aceitáveis para as necessidades da indústria. Na nitretação sob plasma a baixa temperatura (LTPN), realizada em temperaturas próximas a 400°C, os mecanismos de modificação microestrutural na superfície são completamente diversos dos encontrados na nitretação sob plasma a alta temperatura (HTPN) (5), a precipitação de nitretos é suprimida e a camada nitretada é constituída de uma solução sólida supersaturada em nitrogênio denominada austenita expandida (“?N”), ou “Fase-S”. Nesta fase, o reticulado CFC da austenita encontra-se expandido com relação ao seu estado original, em decorrência da introdução do intersticial, o que introduz tensões elevadas residuais de compressão associadas a falhas de empilhamento, que aumentam com o acréscimo da concentração de nitrogênio, e promovem o endurecimento superficial sem a deterioração das propriedades de corrosão [4-9]. A seguir serão mostrados em detalhes os diferentes mecanismos envolvidos na nitretação a alta e a baixa temperatura e seus impactos nas propriedades do aço inoxidável austenítico tipo AISI 316L.

Desenvolvimento Tecnológico

O material utilizado neste desenvolvimento foi o aço inoxidável austenítico tipo AISI 316L, recebido no estado solubilizado, como barra com diâmetro de 28,6 mm.

Os tratamentos superficiais foram realizados em um reator de nitretação sob plasma com fonte DC-Pulsada e com câmara quente. Foram testadas as temperaturas de 550 e 400°C, com composição da mistura gasosa de 75%N2:25%H2, por um tempo fixo de 12 horas. Para cada tratamento de nitretação foram utilizadas três amostras, sendo duas com acabamento superficial de lixa grana 600 e uma com superfície polida em diamante de 1 µm. Antes da etapa de nitretação a camada passiva foi removida por um bombardeamento iônico de alta energia em atmosfera de hidrogênio por tempo de 1 hora.

Para caracterização microestrutural foram utilizadas amostras transversais à superfície nitretada e utilizado como reagente metalográfico uma solução de: HNO3, HCl e H2O em partes iguais, por 30 segundos. A dureza superficial por técnica microdureza Vickers com carga de 25 gramas. As fases presentes na microestrutura foram identificadas por técnica de Difração de Raios X (DRX) utilizando radiação Cu-Ka e varredura entre 20 e 120°. Antes e após as nitretações as amostras polidas foram controladas com relação à rugosidade Ra e Rz, medida em um Rugosímetro Rank-Taylor, com 5 medições por amostra e Lc = 0,25 mm.

Principais Resultados

A Fig. 1 apresenta os espectros de DRX, para as diferentes condições estudadas, sendo a austenita sem nitretação utilizada como referência mostrada na Fig. 1. Verifica-se que a resposta ao tratamento de nitretação é diferente nas diversas temperaturas testadas. Quando a nitretação é realizada em temperatura elevada, 550°C, observa-se a presença dos picos referentes aos nitretos de cromo e ferro como resposta típica dos tratamentos de nitretação que endurecem pela precipitação fina de nitretos. No caso do aço AISI 316L, particularidade e intensa precipitação de nitreto de cromo do tipo CrN. Com o uso de nitretação sob plasma a baixa temperatura, 400°C, a precipitação de nitretos é suprimida, pois não há condições cinéticas suficientes para a nucleação e crescimento de nitretos, afinal, nesta temperatura o nitrogênio difundido permanece em solução sólida no reticulado cristalino da austenita, formando a “austenita expandida”, ?N, que é evidenciada pela presença de picos da austenita deslocados para a esquerda e alargados, como resultado da distorção da rede cristalina provocada pela supersaturação com nitrogênio [10,11,12].

Com os resultados obtidos por DRX foi possível determinar o parâmetro do reticulado cristalino da austenita antes e após a nitretação e também calcular o teor teórico de nitrogênio presente na austenita expandida pela equação: ao = aN + alfaCN, onde: ao = parâmetro do reticulado livre de tensões, aN = parâmetro do reticulado na presença do intersticial (N), alfa= constante de Vegard (0,0078 para o N) e CN = concentração de N em % atômica [13]. A concentração calculada de nitrogênio na austenita expandida é de 39,53 % atômica, o que é consistente com valores da literatura queapontam para teores de 30 a 40 at % [9,10].

A Fig. 3 apresenta as micrografias das superfícies após a nitretação nas duas temperaturas estudadas. Observa-se que a microestrutura muda significativamente com a temperatura de nitretação. Verifica-se que sob a ação do mesmo reagente metalográfico a amostra nitretada a 400°C apresenta uma camada fina e homogênea de coloração branca, não atacada, enquanto que após a nitretação a 550°C a camada nitretada se mostra escura e intensamente atacada pelo reagente. Esta diferença na suscetibilidade ao ataque metalográfico está relacionada à presença dos nitretos de cromo precipitados na camada nitretada na temperatura de 550°C e ausentes em baixa temperatura de nitretação. Quando os nitretos de cromo são precipitados na nitretação ocorre um empobrecimento no teor de cromo em solução sólida na matriz o que diminui sensivelmente a resistência à corrosão da superfície nitretada. Estes resultados não apenas mostram as diferenças microestruturais entre as duas condições de tratamento, mas já indicam uma maior resistência à corrosão da camada nitretada a baixa temperatura e constituída de austenita expandida. As medidas de profundidade da camada nitretada forneceram os valores de 74,15 + 1,11 µm para a nitretação a 550°C e 7,15 + 0,48 µm para a nitretação a 400°C, o que é decorrente da diminuição no coeficiente de difusão nitrogênio com a temperatura, já que a difusão do intersticial deve seguir um comportamento típico de Arrhenius [1, 10, 13].

Uma característica importante de muitos produtos destinados à nitretação é a manutenção do acabamento superficial inicial. A qualidade superficial do material é muito modificada na nitretação dependendo da temperatura do processo. Na nitretação em alta temperatura o aspecto visual mostra uma clara deterioração da qualidade superficial em comparação com a nitretação à baixa temperatura, como mostrado na Fig. 4. Este fato é decorrente da maior variação da rugosidade superficial. Na Fig. 5, verifica-se que o tratamento realizado a 550°C eleva mais a rugosidade do que na nitretação a 400°C. A modificação na qualidade superficial não é citada para os aços inoxidáveis austeníticos [14], mas já foi verificado anteriormente que a microestrutura na superfície nitretada afeta sensivelmente a rugosidade de aços ferramenta nitretados por plasma em diferentes condições de processo [15].

A Fig. 6 mostra as características de endurecimento nas diferentes temperaturas de nitretação. Verifica-se que a dureza superficial original do aço inoxidável AISI 316L, sem nitretação, é de cerca de 200 HV e após a nitretação a dureza é elevada para valores superiores a 1400 HV, demonstrando o elevado potencial de endurecimento. Embora o mecanismo de endurecimento operante nas duas temperaturas de nitretação seja diferente, o potencial de endurecimento não se altera. Na temperatura de 400°C o endurecimento é decorrente da supersaturação de sítios intersticiais da austenita pelo nitrogênio, gerando a austenita expandida, e promovendo um elevado estado de tensões residuais de compressão pela distorção do reticulado cristalino [7]. Na nitretação a 550°C o endurecimento é causado pelo mecanismo convencional de precipitação homogênea e fina de nitretos de cromo, tipo CrN e ferro, tipo Fe3N e Fe4N [12,16,17].

Considerações Finais

O processo de nitretação sob plasma abre uma nova perspectiva no endurecimento superficial de ligas com elevada resistência à corrosão como os aços inoxidáveis. A possibilidade de utilizar temperaturas baixas, próximas a 400°C, com endurecimento eficiente sem deteriorar a resistência à corrosão é de aplicação potencial nos mais diferentes segmentos industriais e de particular interesse para os novos mercados ligados às indústrias do petróleo e do gás que deverão ter interesse crescente com o advento das novas explorações ao nível do pré-sal.

A diminuição da temperatura de nitretação modifica as características microestruturais de formação da zona de difusão. Na nitretação a 550°C a zona de difusão é formada com a precipitação de nitretos de ferro e cromo. Na nitretação a 400°C a precipitação de nitretos é suprimida e ocorre a formação da austenita expandida. Esta diferença microestrutural influi na qualidade superficial após a nitretação. Não apenas o aspecto visual é modificado, mas a variação da rugosidade é menor quando a austenita expandida é formada.

A formação da austenita expandida leva a um forte efeito endurecedor na superfície, com uma elevação da dureza de 200 HV para 1400 HV. A supersaturação calculada de nitrogênio, da ordem de 39,53 % atômico e é a responsável por este efeito endurecedor. A resistência à corrosão da austenita expandida é superior à do substrato como contribuição do nitrogênio em solução sólida.

Referências

1. C. E. PINEDO, Tese de Doutorado, IPEN/USP (2000) 176;
2. K. H. JACK, Heat Treatment’73, Proc. Conf., London/UK, 12 – 13 Dec. (1973);
3. J. LIGHTFOOT, D. H. JACK, Heat Treatment’73, London/UK, 12 – 13 Dec. (1973) 59 – 65;
4. W. LIANG, et al., Surface and Coatings Technology, 130 (2000) 304 – 308;
5. L. PRANEVICIUS, et al., Surface and Coatings Technology, 135 (2001) 250 – 257;
6. S. PICARD, et al., Materials Science and Engineering A, 303 (2001) 163 – 172;
7. MINGOLO, N.; TSCHIPTSCHIN, A.P.; PINEDO, C.E., Surface and Coatings Technology, 201 (2006) 4215 – 4218;
8. SOUZA, R.M.; IGNAT, M.; PINEDO, C.E.; TSCHIPTSCHIN, A.P., Surface and Coatings Technology, 204 (2009) 1102-1105;
9. DONG, H., International Materials Review, (2010) 1-34;
10. M. P. FEWELL, et al., Surface and Coatings Technology, 131 (2000) 284 – 290;
11. M. P. FEWELL, et al., Surface and Coatings Technology, 131, (2000) 300 – 306;
12. C. E. PINEDO, et al., Anais do 2o Congresso Internacional de Tecnologia Metalúrgica e de Materiais, São Paulo/ SP, 1997, em CD-ROM;
13. T. CZERWIEC, Surface and Coatings Technology, 131, (2000) 267 – 277;
14. L. PRANEVICIUS, et al., Surface and Coatings Technology, 135 (2001) 250 – 257;
15. A. R. FRANCO JR., C. E. PINEDO e A. P. TSCHIPTSCHIN, 57° Congressos da ABM Internacional, São Paulo/SP, 22 a 25 de Julho., CD-ROM, (2002) 1993 – 1999;
16. C. E. PINEDO, et al, Material Science Forum, 318-320 (1999) 233-240; 17. C. E. PINEDO, W. A. Monteiro, Journal of Materials Science Letters, 20 (2001) 147-149.

 

  • Luiz Roberto Hirschheimer
    17 de agosto de 2017 at 16:50

    Artigo muito bem escrito, descrevendo sucintamente os fenômenos metalúrgicos que acontecem.

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