O Santo Graal siderúrgico: Direto do aço líquido ao produto final

A fundição é o processo mais intuitivo, econômico e rápido para se fabricar componentes metálicos – não é a toa que ele é usado desde a antiguidade. Contudo, nem sempre as características do produto fundido satisfazem plenamente os requisitos mecânicos e físicos solicitados. Nesse caso é necessário agregar outros processos dentro da cadeia de manufatura do componente, como a conformação mecânica e tratamento térmico. A necessidade contínua de otimização e produtividade tornou a fundição próxima do produto final (near shape casting) um dos objetivos capitais da metalurgia moderna. A aplicação desse conceito na fabricação de produtos siderúrgicos planos é particularmente complicada, em função da alta capacidade calorífica do ferro e sua relativa baixa condutividade térmica, as quais retardam sua solidificação.

Esta é basicamente a razão pela qual o aço líquido tinha que ser vazado em lingotes com algumas dezenas de toneladas de peso e espessuras da ordem de 400 a 600 mm nas primeiras grandes usinas integradas de produtos planos do início do século XX. Os lingotes obtidos, por sua vez, tinham de ser reaquecidos até temperaturas em torno de 1250-1300°C para serem laminados nas chamadas placas, semi-produto com 180 a 300 mm de espessura.

Após seu resfriamento e inspeção de qualidade, as placas eram novamente aquecidas a 1200°C para se proceder à laminação a quente que daria origem aos primeiros produtos siderúrgicos comerciais, como chapas grossas e bobinas, com espessuras variando entre 5 e 150 mm e 2 a 15 mm, respectivamente. Como se vê, era um processo relativamente longo e onde não só se desperdiçava o calor contido no aço líquido, como também se aplicava calor adicional para reaquecer o lingote e a placa. A primeira etapa para se reduzir a distância entre o aço líquido e o produto final foi o lingotamento contínuo de placas, cuja versão industrial surgiu no início da década de 1950.

Ao invés de se obter lingotes discretos, esse processo consiste na produção contínua de placas com 200 a 250 mm de espessura diretamente do aço líquido. A significativa otimização conseguida por esse desenvolvimento praticamente extinguiu o uso de lingotes na laminação de produtos planos, exceto no caso de chapas grossas extra-pesadas a serem aplicadas em vasos de pressão e outras aplicações críticas onde se requer garantia de sanidade interna. Nestes casos o semi-produto bruto de fusão deve ter espessura de, no mínimo, o triplo do valor relativo ao produto final a que deu origem. O avanço seguinte ocorreu em 1989, quando surgiu a primeira máquina de lingotamento contínuo de placas finas, com 50 a 60 mm de espessura, acoplada diretamente a um laminador de tiras a quente. Essa nova abordagem, na prática, viabilizou a produção de bobinas a quente diretamente do aço líquido, dispensando o reaquecimento das placas.

Essa vantagem, contudo, tem seu custo: o produto obtido tende a apresentar qualidade superficial e interna inferior aos obtidos pela rota convencional, limitando-se até hoje a produtos menos sofisticados. Ainda assim, esse novo conceito econômico de produção de aços planos ganhou aceitação em vários países ao redor do globo – exceto, curiosamente, no Brasil. Novos avanços continuam ocorrendo nos laboratórios e instalações piloto. O conceito de lingotamento em correia (belt casting) ou com rolos gêmeos (twin roll caster) estão se mostrando promissores na produção de tiras fundidas com 1 a 15 mm de espessura – excepcionalmente finas, mas que ainda não dispensam uma etapa final de laminação a quente para melhorar suas propriedades. E, de acordo com as conclusões de um trabalho cooperativo entre a Universidade Tecnológica Clausthal e a usina alemã Salzgitter, esta é a única alternativa viável para se produzir o moderníssimo aço TWIP, com até 25% de manganês.

Este aço avançado com alta resistência mecânica e níveis inéditos de ductilidade, promovidos por plasticidade induzida por maclação, certamente possui futuro brilhante na área automotiva. Portanto, há uma tendência lenta, mas inexorável, do abandono do uso da conformação mecânica para meramente reduzir a espessura dos laminados planos. Mas seus outros efeitos ainda são insubstituíveis.

A laminação a quente refina a microestrutura, caldeia os vazios, homogeneíza a segregação e elimina defeitos superficiais, problemas típicos dos semiprodutos brutos de fusão. Já a laminação a frio proporciona alta precisão dimensional, acabamento superficial refinado e, em conjunto com o recozimento posterior, características excepcionais de estampabilidade.

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