A revolução da informação e a siderurgia

A primeira vez em que percebi a importância da informação técnica na siderurgia ocorreu bem no início de minha carreira. Nossa turma de engenheiros recém-contratados estava conhecendo o saudoso laminador de chapas grossas da COSIPA (Companhia Siderúrgica Paulista) justo no momento em que estava sendo realizada uma então novíssima laminação controlada de aço microligado. Meus companheiros de turma ficaram entusiasmadíssimos com a oportunidade. Mas eu, vindo da área de tratamento térmico, mal sabia o que estava ocorrendo. Obviamente fiquei alarmado e, naquela noite mesmo, tratei de me atualizar sobre o assunto. Não custa lembrar que, naquela época, há mais de 35 anos atrás, internet era coisa de Luke Skywalker. Em compensação, o Centro de Informação Siderúrgica do Instituto Brasileiro de Siderurgia (o atual Instituto Aço Brasil) então publicava o CIS-Documentação (CIS-Doc), um boletim mensal com os resumos dos artigos técnicos mais interessantes que haviam sido recentemente publicados. Bastou folhear alguns exemplares desse boletim para localizar alguns artigos interessantes sobre o assunto e solicitar cópias ao CIS para resolver a questão – providência cujo trâmite custou algumas semanas entre os envios de correspondência e processamento do pedido. Ficou a lição: durante muitos anos, toda semana eu ia religiosamente à biblioteca para ver as últimas edições dos periódicos da área de laminação a quente, onde eu atuo – um procedimento fundamental para quem lida com pesquisa e inovação.

Assim era em 1982 e, talvez justamente pelo difícil acesso ao conhecimento, as usinas siderúrgicas estatais dispunham de magníficos Centros de Informações Técnicas, que procuravam, tanto quanto possível, manter livros e coleções de periódicos de todas as áreas de conhecimento que pudessem ser úteis às usinas e manter a memória técnica das inovações desenvolvidas na planta visando seu patenteamento ou, pelo menos, evitar que a roda fosse inventada mais de uma vez. Além disso, esses centros publicavam seus próprios boletins técnicos siderúrgicos, uma versão mais elaborada do CIS-Doc. Ainda assim, para os padrões de hoje, os recursos da época pareciam coisa da época das caravelas. Uma simples pesquisa bibliográfica sobre uma questão metalúrgica requeria numerosas e tediosas consultas aos boletins mensais do Metal Abstracts (em papel!) – que, muitas vezes, só conseguiam identificar alguns poucos artigos dentro do tema procurado, sendo que os mais interessantes geralmente eram escritos numa língua exótica, como servo-croata, russo ou chinês…

Mas essa situação digna do século XIX ia mudar rapidamente: os microcomputadores tornaram-se comuns em meados da década de 1980 e, já em 1987, a incipiente tecnologia digital da época permitia a execução de pesquisas bibliográficas diretamente na base de dados metalúrgica do METADEX – ainda que a custos muito altos, tanto da permissão para acesso a essa base, como da ligação telefônica internacional para estabelecer a comunicação dos dados. Portanto, nada de estilo Glauber Rocha, “uma ideia na cabeça e um teclado na mão”: naquela época a estratégia de uma busca era exaustivamente elaborada e refinada manualmente no papel antes do “grand finale” digital.

Os centros de informações técnicas sofreram bastante com a crise econômica dos anos 1980 e também com a privatização na década seguinte – uma vez que eles não executavam atividades-fim das usinas siderúrgicas, seus recursos e efetivos foram bastante reduzidos. Em compensação, o acesso à internet tornou-se público e relativamente barato a partir de 1996, criando a possibilidade de contato direto entre leitores e publicações, sem intermediários. Ainda assim, a digitalização plena das publicações demoraria a ocorrer, só se tornando comum alguns anos depois. E, embora cada revista possua seu motor de busca, o Google e sua versão acadêmica aumentaram enormemente as possibilidades de busca sobre informações técnicas. Hoje não mais preciso ir à biblioteca para saber o que está publicado no mundo – as próprias revistas me enviam o índice dos últimos artigos disponíveis.

Não bastasse essa facilidade de busca e transferência de informações, o fim do comunismo e a globalização fizeram com que muitos países atrás da cortina de ferro se abrissem para o mundo, passando a publicar seus artigos em inglês para que eles sejam aproveitados em escala global. O resultado foi um enorme aumento no número de trabalhos publicados em todas as áreas do conhecimento, particularmente de autores chineses. Mas o problema se inverteu: da falta passou-se ao excesso de informação, que se tornou uma commodity; saber selecionar o que ler passou a ser vital.

A identificação e transferência de informações técnicas ficaram fáceis, mas uma coisa não mudou: o custo das cópias legais continua proibitivo para pessoas físicas.  Por esse motivo, para apoiar a recente abundância de informação técnica disponível em escala global, surgiram recentemente os artigos do tipo “open access”, em que os autores, e não os leitores, pagam pela sua publicação, permitindo sua distribuição gratuita e de forma legal. Embora haja abusos – infelizmente há editoras que não fazem qualquer análise crítica dos artigos técnicos a serem publicados, desde que sejam devidamente pagas – há muito material útil publicado dessa forma. Mas ainda resta torcer para que a área de publicações técnicas siga o mesmo rumo do streaming de música e filmes, permitindo o amplo e livre acesso a acervos gigantescos mediante o pagamento de uma módica taxa mensal.

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