Um forno que opera com pressão parcial de hidrogênio inferior ao limite explosivo não precisa apresentar os requisitos da NFPA (National Fire Protection Association – Associação Americana de Proteção Contra Incêndios dos EUA), o que lhe confere vantagens de custo distintas. Este artigo compara as propriedades do popular aço inoxidável MIM 316 obtidas após processamento sob as pressões parciais de 15 mbar (abaixo do limite explosivo) e de 400 mbar. As propriedades físicas, as microestruturas e as superfícies de fratura resultantes dos dois parâmetros de processo foram comparadas.
Existem fornos no mercado que clamam a capacidade de tratar peças em atmosferas com 100% de hidrogênio, no entanto, é possível fazer tratamentos em pressões parciais de hidrogênio de apenas 15 mbar. A pressão parcial de hidrogênio de 15 mbar se encontra abaixo do limite inferior de explosão do hidrogênio. Portanto, estes equipamentos não precisam ter os requisitos de segurança da NFPA para fornos a hidrogênio[1]. Como não necessitam de portais de explosão e de outros dispositivos adicionais de segurança, estes fornos apresentam distinta vantagem de custo, em comparação com os fornos a hidrogênio padrão que devem atender às regulamentações da NFPA. Mas, então, teriam esses dois fornos desempenhos iguais e capacidade de produzir os mesmos resultados em um material?
Forno a Hidrogênio MIM Regular
O que nós chamamos de forno a hidrogênio MIM regular é um forno que pode ser usado com fluxo de 100% de hidrogênio em qualquer faixa de pressão, de 1 atm ao vácuo, abaixo do limite explosivo de hidrogênio. Como fornos contínuos são incapazes de operar com pressões parciais, nós denominaremos o forno intermitente a hidrogênio MIM regular como “forno 400 mbar”, para abreviação, e o forno intermitente a hidrogênio de 15 mbar de “forno 15 mbar”.
A série de fornos (Fig. 1) Elnik MIM 3000 (400 mbar) apresenta zonas quentes de metal-refratário e retortas; controladores de fluxo de massa para H2, N2 e argônio, ou uma mistura desses gases; e bombas de vácuo de parafuso a seco que operam entre vácuo de 10-2 mbar e pressão de 1.000 mbar. Isso permite que o forno produza atmosferas acima do limite explosivo do hidrogênio (o LEL típico, ou limite inferior de explosão, do inglês Lower Explosion Limit, é de 40 mbar). Logo, estes fornos devem ser construídos de acordo com a norma NFPA 86, de Padrões para Estufas e Fornos[1].
Essa norma indica como devem ser construídos os fornos da classe D, descrevendo todos os requisitos de segurança necessários para se trabalhar com gases inflamáveis. Os requisitos incluem purgar a câmara antes da introdução dos gases inflamáveis; fazer a exaustão do gás inflamável através da bomba de vácuo; diluir o gás exaustado da câmara ou passá-lo por um queimador; e purgar o gás inflamável da câmara através de cinco jatos consecutivos de gás inerte ou por meio de bombeamento da câmara a um nível mínimo de vácuo de 10-1mbar. O projeto prudente da câmara também adiciona uma válvula de alívio contra explosões, que consiste de um mínimo de 0,095 m² de área de alívio para cada 0,425 m³ de volume de forno. Isso é comumente chamado de portal de explosão (Fig. 2).
O Forno 15 mbar
Um típico forno a vácuo (forno 15 mbar) é mostrado pela Fig. 3. Esse tipo de forno não contém, normalmente, uma retorta e nem precisa atender a todos os requisitos para gases inflamáveis da norma NFPA 86, Padrões para Estufas e Fornos, uma vez que seu uso é feito abaixo do limite de explosão inferior do hidrogênio (LEL).
Experimentos
Barras para o ensaio de tração, em acordo com a norma ISO, foram feitas do material de carga BASF Catamold 316 L-A. A Fig. 4 apresenta uma típica barra ISO para o ensaio de tração. Todos os corpos de prova para o ensaio de tração foram desaglutinados cataliticamente, juntos e ao mesmo tempo.
Após o processo de desaglutinação (debinding), parte das barras de tração foram sinterizadas em forno com pressão parcial de 400 mbar em atmosfera de 100% de hidrogênio e outra batelada foi sinterizada a 15 mbar de hidrogênio. O fluxo de gás para a corrida de 15 mbar precisou ser levemente reduzido para que a pressão desejada de 15 mbar fosse mantida durante todo o ciclo. Todas as peças foram sinterizadas a 1370°C por 75 minutos.
Então, as densidades das barras foram medidas por um picnômetro de hélio e os testes de carbono e análises microestruturais foram todos realizados na DSH. Em um laboratório externo, foram feitos os ensaios de tração e as análises de MEV (Microscópio Eletrônico de Varredura) nas superfícies fraturadas das amostras usadas nos ensaios de tração e de corrosão.
Resultados e Discussão
Propriedades Físicas
Os resultados dos ensaios de tração não serão reportados no presente artigo. Houve ampla variação nos valores de propriedades medidas, devido à moldagem inconsistente no centro das barras de teste (Fig. 5).
Ensaios de Corrosão
Os ensaios de corrosão foram realizados por meio de imersão das barras de tração em solução salina de 1%, a 62°C por cinco dias. A concentração de 1% da solução salina simula o teor de sal da maior parte dos fluídos corporais, enquanto cada 5°C usados acima da temperatura corpórea (de 37°C) tem efeito equivalente ao de se dobrar o tempo de imersão da amostra durante o ensaio. Assim, a imersão das peças a 62°C por 5 dias corresponde a um tempo total de imersão de 5×25 = 160 dias.
As peças sinterizadas a 400 mbar não sofreram corrosão e apresentaram resistência à corrosão mais elevada do que as peças sinterizadas a 15 mbar. Estas últimas mostraram sinais de corrosão logo após um dia de imersão.
Uma das três peças de 15 mbar usadas no ensaio de corrosão mostrou sinais de corrosão logo no primeiro dia de imersão e foi removida da solução salina após 24 horas de teste. Esta amostra foi levemente envergada e, em seguida, cortada, de modo a facilitar o seu posicionamento na câmara de vácuo do MEV. As duas peças remanescentes, que apresentaram maiores áreas de corrosão e, consequentemente, maior quantidade de produtos de corrosão, podem ser vistas na Fig. 6.
A Fig. 7 mostra as três peças sinterizadas a 400 mbar imersas na solução ao mesmo tempo. Estas amostras não sofreram corrosão após os cinco dias de ensaio.
Microestruturas
As microestruturas não atacadas dos aços 316 contêm poros finos, distribuídos uniformemente em torno de outros poros de maiores dimensões (Fig. 8). As peças sinterizadas a 400 mbar também apresentam uma película com espessura aproximada de 200-250 µm de baixa porosidade. Ambas estruturas não atacadas revelam a presença do que parecem ser finos poros esféricos de 2-5 µm de diâmetro.
As microestruturas das peças atacadas (Fig. 9) são típicas da liga e apresentam maclas. Os poros finos no interior dos grãos podem ser discernidos com facilidade nas magnificações mais altas, apesar de poderem ser observados, também, com aumento de 100 x. Como as amostras de 400 mbar e 15 mbar não apresentaram diferenças microestruturais significativas, apenas as micrografias obtidas para as primeiras são apresentadas. Os finos poros previamente observados nas amostras não atacadas são mascarados após o ataque metalográfico.
Microscopia Eletrônica de Varredura
A Fig. 10 mostra a superfície de fratura da barra de tração sinterizada a 15 mbar. As inclusões observadas foram identificadas como óxidos, como mostra a análise de espectrometria de energia dispersiva de raios-X (EDS) na Fig. 11.
As imagens de MEV das barras sinterizadas a 15 mbar (Fig. 10) mostram que a fratura sofrida pelo material foi a dúctil, como era esperado. Os resultados de EDS (Fig. 11) indicam que um grande número destas peças possuem inclusões de óxido de silício, o que é típico de fraturas dúcteis. Isto era esperado porque o material de carga 316 L-A contém uma liga mestre e pó de ferro carbonila, que são tratados com uma camada de sílica muito fina para prevenir a aglomeração e posterior oxidação do pó de ferro.
Os poros finos presentes nas peças sinterizadas a 400 mbar apresentaram teores de óxido 200 vezes menores do que os observados pela Fig. 10.
Análise de MEV das Amostras Corroídas
As Fig. 12 e 13 apresentam a amostra de 15 mbar que foi removida do ensaio de corrosão após um dia de imersão, antes e após ser envergada, respectivamente. A amostra perdeu parte do sal e da ferrugem por causa da dobra.
A Fig. 14 mostra uma imagem da área trincada. O dobramento induz a peça a sofrer a fratura ao longo dos contornos de grão. Uma análise de EDS da região (Fig. 15) indica a presença de cloreto e de sódio, provenientes da solução salina; oxigênio e silício, das inclusões de sílica; cálcio, provavelmente vindo da água da torneira; cromo e ferro. A imagem provavelmente valida a teoria de que inclusões de sílica na presença de íons cloreto formam células galvânicas que aumentam a taxa de corrosão da amostra sinterizada a 15 mbar. Quando a mesma liga é sinterizada a 400 mbar, não há inclusões de óxido para formar as células galvânicas que elevam a taxa de corrosão.
Discussões
Um estudo anterior, realizado pelos autores[2], sobre sinterização do material 17-4 PH em hidrogênio, nitrogênio, argônio e vácuo, também revelou a presença de óxidos globulares quando o processo não foi feito em atmosfera redutora. Uma atmosfera de 400 mbar de hidrogênio ou mais foi necessária para reduzir a sílica e o óxido de cromo. Isso levou à obtenção das melhores propriedades mecânicas e resistência à corrosão.
Steffen Krug et. al.[3] estudaram o efeito do tipo de forno (grafita e molibdênio) e do tipo de atmosfera do forno (hidrogênio, nitrogênio, argônio e vácuo). As suas conclusões foram similares às obtidas em nosso estudo com o material 17-4 PH[2], exceto que Krug et. al.[3] não analisaram as estruturas sem ataque e, portanto, não relataram nada a respeito dos finos poros, provenientes do arraste ou redução dos óxidos, que não são detectados quando as peças são atacadas. Como consequência, os autores[3] não fizeram analises de MEV das superfícies de fratura e não publicaram nada além sobre resistência à corrosão. Por conta disso, suas conclusões foram de que há pouca diferença nas propriedades resultantes de sinterização via forno de molibdênio com atmosfera de hidrogênio e via forno de grafite no vácuo, o que contradiz os nossos resultados.
Sumário
• A sinterização a 400 mbar resultou em propriedades físicas ligeiramente melhores do que a sinterização a 15 mbar. As amostras de 15 mbar atingiram os requisitos mínimos pelo padrão MPIF 35, enquanto as amostras de 400 mbar apresentaram os requisitos típicos.
• Uma fina porosidade, com poros de 2-5 µm de diâmetro, é observada nas estruturas não atacadas para as peças sinterizadas a 15 e a 400 mbar. Estes poros ficam mascarados após o ataque metalográfico das amostras. Imagens das peças com e sem ataque deveriam ser sempre apresentadas para que essas condições estruturais não fossem perdidas;
• Peças sinterizadas a 400 mbar apresentam uma película superficial livre de poros, com espessura aproximada de 300 µm e que não foi observada nas peças sinterizadas a 15 mbar;
• Imagens de MEV das superfícies fraturadas mostram que há muitas inclusões nas peças de 15 mbar e quase nenhuma para as peças de 400 mbar. As inclusões nas peças de 15 mbar são formadas por óxidos, enquanto as presentes nas peças de 400 mbar parecem ser óxidos que sofreram redução pelo hidrogênio;
• As amostras de 15 mbar sofreram corrosão dentro de 24 horas em solução salina de 1% a 62°C. As amostras de 400 mbar não sofreram corrosão após os cinco dias de imersão;
• Análises de MEV das amostras dobradas e corroídas sugerem fortemente que a corrosão tem início em sítios nos quais localizam-se poros e inclusões de óxidos;
• As microestruturas das peças sinterizadas a 15 e 400 mbar não apresentam diferenças significativas. Contudo, de modo geral, a sinterização a 400 mbar leva à formação de produtos superiores, com resistência à corrosão ótima, comparável à de produtos trabalhados.
Agradecimentos
Nós gostaríamos de agradecer à BASF Corporation, cortesia de Martin Blömacher, por fornecer o material, e à Arburg, cortesia de Hartmut Walcher, pela moldagem das barras de tração. Também gostaríamos de agradecer ao Daniel H. Herring, “O Doutor dos Tratamentos Térmicos”, pela imagem do forno a vácuo e pelas discussões a respeito da norma NFPA 86.
Para mais informações: Satyajit (Satya) Banerjee, PhD e Chefe Metalurgista/Gestor de Produção, DSH Technologies LLC, 107 Commerce Road, Cedar Grove, NJ – EUA; tel: (+1) 973-239-7792 x 217, e-mail: sbanerjee@dshtech.com; site: www.dshtech.com.
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[1] NFPA 86, Standards for Ovens and Furnaces, 2015 Edition, National Fire Protection Association, Quincy, MA;
[2] S. Banerjee, C.J. Joens, “A Comparison of Techniques for Processing Powder Metal Injection Molded 17-4 PH Materials,” Advances in Powder Metallurgy & Particulate Materials, Part 4 Powder Injection Molding (Metals & Ceramics), MPIF, Princeton, NJ, 2008;
[3] Steffen Krug and Stefan Zachmann, “Influence of sintering conditions and furnace tehnology on chemical and mechanical properties of injection molded 316L,” Powder Injection Molding International, Vol. 3, No. 4, December 2009, Innovar Communications Ltd., Shrewsbury, UK, p. 66, 2009.