Com o passar dos anos tive muitas oportunidades de aumentar meu conhecimento no campo técnico. Também tive a chance de ensinar em diversas faculdades e universidades, como também modificar o material do curso de engenharia de materiais
A experiência me ajudou a apreciar o valor dos conceitos que eram “despejados” sobre mim por meus professores na faculdade. Também resultou na criação do meu “diploma de materiais de acidente”, o qual eu compartilho com meus leitores da revista Industrial Heating.
1 – A essência da ciência dos materiais e da engenharia é a de que cada material deve ser transformado em peça por um processo, o que cria uma estrutura de vários níveis. Isso resulta em uma constelação de propriedades, características ou comportamentos em um dado ambiente. Tradicionalmente, nós mostramos o triângulo com “processo”, à esquerda da base, “estrutura” à direita da base e “propriedades” no topo (Fig.1).
2 – Se as características ou comportamentos diferem em dois materiais que são nominalmente “o mesmo”, então não são o mesmo material. Ou a composição é diferente ou o processo foi diferente, o que de qualquer maneira resultaria em uma diferente estrutura e, então, diferentes propriedades. Isso é uma consequência direta do #1. Às vezes, diferenças são triviais, porém outras vezes diferenças na composição ou no processamento podem parecer triviais mas resultam em propriedades muito diferentes. Ocasionalmente, uma diferença de 3 – 6°C na temperatura durante tratamento térmico pode causar um problema.
3 – Existem duas forças principais que criam a estrutura em um dado material. A primeira é a tendência termodinâmica. Isso significa que dado um grupo de átomos em um ambiente específico, os átomos irão querer se agrupar em posições de uma forma específica. Se existir mais de um tipo de átomo presente, haverá um caminho preferencial no qual os átomos evitarão ou seguirão em relação aos átomos de outras “espécies”. A segunda força que influencia a estrutura e o arranjo dos átomos dentro de um material é a cinética. Isso tem relação em quão rápido os átomos podem se mover em determinado ambiente.
Metalurgia de Ferrosos
Um exemplo clássico da metalurgia de ferrosos é que o carbono no ferro terá forma preferencial de grafite. Pense sobre isso. O carbono é totalmente diferente em cada aspecto (exemplo: diamantes e carvão) do ferro (aço é basicamente ferro). Mas o aço normalmente tem o carbono presente na forma de carbetos ou como átomos individuais de carbono presentes entre os átomos de ferro dissolvidos na matriz.
Por que isso acontece? Acontece por considerações cinéticas. Quando materiais ferrosos são processados, nós não permitimos tempo suficiente para que os átomos de carbono se encontrem e empurrem os átomos de ferro do caminho. Existem muitos mais átomos de ferro até mesmo no aço de maior teor de carbono. É “mais fácil” para o carbono formar carbetos com os átomos de ferro vizinhos.
Então temos um “desejo” termodinâmico contra uma “resistência” cinética e temos o que existe em uma dada composição de liga sujeita a um dado histórico de processo.
Ação mecânica pode influenciar fortemente a cinética. O ferreiro faz mais do que dar forma. O ferreiro muda os arranjos dos átomos dentro da liga.
Tradicionalmente, temos um “diagrama de equilíbrio” que nos mostra como os átomos preferem se agrupar em certa temperatura. Diagramas de tempo e temperatura nos auxiliam a desvendar os efeitos da cinética.
Após integrar o conceito do triângulo processo-estrutura-propriedade dos materiais que discutimos, o próximo conceito mais importante em ciência dos materiais para análise de falhas de componentes metálicos e poliméricos é relacionado à estrutura e seus múltiplos níveis de sobreposição.
Estrutura
Vamos ao cerne da estrutura. Nós adquirimos conceitos que nos permitem entender os múltiplos níveis de estrutura inerentes em cada composição (Fig.1). Se estivermos falando sobre um material sólido como um cientista de materiais, o nível mais fino da estrutura que nos preocupa no dia-a-dia é a estrutura atômica. Precisamos ter uma base do que o átomo é.
O antigo viajante grego e filósofo (eles não dispunham de cientistas na época) Demócrito (460-370 AC) foi o primeiro a formular a ideia de que o átomo é o menor pedaço de matéria que pode existir. Verifique a nota existente na Wikipédia para mais detalhes.
Agora nós compreendemos que átomos não são esféricos, que a nuvem de elétrons que está ao redor do núcleo também não é esférica, e que a geometria 3D da nuvem eletrônica (Fig.2) envolvendo o núcleo do átomo é extremamente importante para determinar que tipos de átomo serão atraídos.
Para propósitos mais práticos, metalurgistas trabalhando no nível de minhas atividades diárias não necessitam se preocupar com nada mais complicado do que isso. Os detalhes do formato e da carga elétrica das nuvens eletrônicas possuem uma forte influência na força motriz termodinâmica que discutimos anteriormente.
O que é necessário compreender é que elétrons externos em átomos de metais, quando presentes apenas com outros átomos metálicos, são mantidos bem próximos aos núcleos. Isso cria a possibilidade de condução elétrica e também ductilidade – duas das principais características dos metais.
Microestrutura
Agora que temos uma leve noção para entender a estrutura do átomo em ligações atômicas, é hora de passar para o conceito de microestrutura.
Microestrutura está associada relativamente com grandes grupos de átomos grandes o suficiente para ver em microscópio óptico, quando as amostras estiverem bem preparadas.
Como a microestrutura se desenvolve em um dado componente? Pense nos dois conceitos de nossa discussão anterior, a força motriz termodinâmica e a realidade cinética.
A força motriz termodinâmica é o que possibilita que um átomo queira procurar seus semelhantes ou, alternativamente, os evite em preferência de outros átomos. A tendência termodinâmica possui outro efeito importante. Em qualquer sistema em que houver áreas de mais de uma composição, haverá interfaces entre duas composições. Também haverá interfaces entre áreas de composição similar. Chamamos essas interfaces de contornos de grão.
Contornos em materiais sólidos necessitam de energia para se criar e se manter. Na maioria dos aços, por exemplo, temos uma matriz rica em ferro, que pode ser uma combinação de uma composição e partículas de carbetos, óxidos, sulfetos, etc. Cada um desses “etos” é de uma diferente composição. Existe uma interface entre a matriz que contém essas partículas e as próprias partículas. Diferentes tipos de interfaces necessitam de diferentes quantidades de energia para se manter.
Cinética
Se existir energia suficiente (temperatura) disponível no meio, será usada para diminuir a área superficial das interfaces. Como isso é feito? Uma maneira é pela difusão de átomos de pequenas partículas em direção às partículas maiores. Outra maneira é por alterar o formato de disco ou de agulha de algumas partículas para arredondados. A esfera é a geometria de menor superfície de contato existente.
Calor, ou energia térmica, permite movimentação mais rápida para o estado de menor energia que a termodinâmica deseja. A Fig. 3 mostra um pedaço de aço recozido. As pequenas partículas salientes visíveis na matriz plana são carbetos. A maioria dos menores carbetos se tornaram arredondados devido à exposição de uma adequada temperatura de esferoidização para recozimento.
Algumas das partículas grandes, evidenciadas pelas setas brancas, continuam com o formato que se desvia fortemente de esférico ou esferoidal. Note que a seta branca superior mostra uma partícula menor do que a seta inferior. Devemos sempre lembrar que visualizamos uma seção transversal. Podemos estar visualizando um corte de uma seção estreita de uma partícula maior.
Mais tempo na temperatura de esferoidização para recozimento pode permitir que grandes partículas também se tornem esferoidais.
Perceba também que aumentar o tamanho do contorno de grão é uma maneira para os metais reduzirem sua energia, ainda que necessitem de infusões temporárias de energia para completar a mudança. Os grãos menores são absorvidos pelos maiores, resultando em uma área menor de contorno de grão por unidade de volume.
Exemplos
Até agora nós discutimos sobre diferentes níveis de estrutura. Nós começamos com estrutura atômica e então sobre microestrutura. Refletimos sobre como o processo influencia a microestrutura e também sobre o importante conceito de energia de interface.
Microestrutura é intencionalmente alcançada em muitos materiais diferentes pela escolha de parâmetros de processo. Isso inclui laminação a quente, forjamento e extrusão, laminação a frio, conformação a frio e tratamento térmico. Todos estes caem na categoria de processamento “termomecânico”. Conformação a frio que rompe a estrutura cristalina também é usado para modificar características.
A Fig. 4 ilustra uma amostra metalográfica de um pedaço de aço baixo carbono, que foi cauterizada para revelar contornos de grão. É uma peça estampada. Podemos ver claramente que os grãos na área A são menos alongados que os da área B. Isso é devido à deformação que aconteceu – em grande extensão na área B – como resultado de um processo de conformação.
Podemos esperar que a área B seja mais dura do que a área A. deformação em temperatura ambiente normalmente torna o material mais duro e frequentemente mais forte porque acumula energia no volume do material.
Como podemos ver aqui nesta pequena área, a microestrutura varia bastante. Se assumirmos que isso seja um suporte e a área mais escura no topo é o componente plástico da montagem, e que a tensão de trabalho tende a abrir o ângulo, podemos esperar que se as tensões forem muito altas uma trinca pode começar a se formar no meio (vertical) das três setas e crescer até o centro do aço. Porque há um gradiente de deformação, a trinca pode se dirigir para a esquerda (Fig.4) porque aquele material é mais mole e provavelmente mais fraco. Trincas começam e se propagam quando e onde a tensão excede a resistência. Vemos nesta imagem que a microestrutura e a resistência podem variar um pouco.
Precisamos entender a microestrutura na área onde a trinca começa para compreendermos a fratura. Por isso precisamos ser confiantes de que encontramos a área de iniciação. A Fig. 5 ilustra uma amostra de alumínio que foi superaquecida. O material ficou tão quente que praticamente fundiu em algumas áreas. Onde o alumínio funde quando isso acontece? Isso ocorre normalmente em “pontos triplos”, onde três contornos de grão se encontram. Menor calor é necessário por causa da energia extra proveniente da energia de interface. Os círculos escuros sofreram “fusão incipiente”, com A e B mostrando evidências de “dendritas”, uma característica que acontece durante a solidificação. Alguém teve problemas para trabalhar o lingote fundido original, e agora ele possui áreas de menor resistência “microfundidas” espalhadas pelo todo.
A Fig. 6 mostra um parafuso recalcado a frio que foi soldado sob pressão em uma barra plana de mesmo diâmetro. O parafuso trincou quando foi derrubado no chão. Por que trincou na área que era provavelmente por volta de três vezes mais larga do que as partes adjacentes? Claramente há algo relacionado com a deformação a frio, o calor de soldagem e a composição que tornou a microestrutura muito mais frágil do que a área da rosca.
Conclusão
Compreender os conceitos básicos de ciências dos materiais e engenharia inclui os fatos fundamentais sobre a relação entre estrutura e comportamento e como a estrutura é desenvolvida pela seleção de detalhes específicos de processo. A otimização da performance do material exige um conhecimento de microestrutura e como são desenvolvidos. A microestrutura específica que se desenvolve em uma da localização e em uma dada peça é dependente de muitos fatores.
Para mais informações: Debbie Aliya, Aliya Analytical, Inc., PO Box 2407, Grand Rapids, Michigan – EUA; tel: +1 616-475-0059; e-mail: DaAliya@itothen.com; website: www.itothen.com.