O trabalho avalia numericamente a influência do módulo de compressibilidade de alguns desmoldantes sobre o preenchimento das cavidades de matrizes no forjamento a quente de uma porca oitavada, realizado em uma matriz fechada sem a formação de rebarba. Mostra-se que as previsões através de modelagem numérica por elementos finitos descrevem adequadamente os resultados experimentais encontrados
O processo de forjamento é utilizado para fabricar peças de metais e suas ligas pelas forças de compressão exercidas por ferramentas atuadas por martelos, prensas hidráulicas, mecânicas ou de fricção (ASM Metals Handbook, 1988). Uma forma de classificar os processos de forjamento baseia-se no tipo de matrizes (ferramental) empregadas para conformar a peça, estabelecendo, assim, três grupos (Konig, 1995):
1. Forjamento em matriz aberta, na qual geometria simples das matrizes não restringe o escoamento lateral do material;
2. Forjamento em matriz fechada, em que as matrizes possuem geometrias complexas, existindo uma restrição no escoamento do material, ocorrendo ou não a formação de rebarba;
3. Outros tipos de forjamento: forjamento por compressão axial, por intermédio de rolos, rotativos e orbitais.
A precisão dimensional e geométrica que se pode conseguir nas peças obtidas por forjamento em matriz fechada depende de diversos fatores, tais como formação de óxidos superficiais, deformações elásticas e/ou plásticas das matrizes, desgaste das matrizes e o uso inadequado dos desmoldantes/lubrificantes.
Desmoldantes/lubrificantes adequados reduzem o atrito entre o material e as matrizes, o desgaste dessas matrizes e as forças e as pressões aplicadas, contribuindo decisivamente para o aumento da vida útil das matrizes (Sawamura, 2005). A ação desses desmoldantes/lubrificantes está associada à viscosidade dos fluidos empregados e caracteriza-se pela formação de uma película suficientemente espessa. Dependendo dos detalhes geométricos das matrizes e das peças sendo fabricadas, os desmoldantes/lubrificantes podem ficar aprisionados em determinadas regiões entre os materiais e as matrizes, especialmente durante as etapas finais do forjamento. Quando as constantes de compressibilidade dos desmoldantes/lubrificantes aprisionados são baixas, estes diminuem de volume sob a pressão hidrostática gerada durante o forjamento e não causam problemas geométricos e dimensionais nas peças produzidas. Por outro lado, quando exibem altas constantes de compressibilidade, a diminuição de volume sob pressão é pequena, as regiões onde ocorre o aprisionamento acima citado atuam como “falsas matrizes”, que comprometem os aspectos geométricos e dimensionais do produto final (Mang, 2007).
O presente trabalho avalia a influência do módulo de compressibilidade de diferentes desmoldantes/lubrificantes na geometria e nas dimensões finais de uma porca oitavada forjada industrialmente a quente. Os resultados de uma simulação numérica do forjamento foram comparados com os resultados industriais para a validação do modelo numérico proposto, permitindo assim avaliar outras situações onde problemas de compressibilidade são encontrados.
Material e Métodos
Ferramental e Material
A Fig.1 mostra o ferramental projetado para o forjamento a quente de porcas oitavadas com diâmetro nominal de 3/4”, destinadas à indústria petroquímica e seguindo a norma ASNI B.16.11. Para assegurar o exato posicionamento e evitar um possível deslocamento relativo horizontal das matrizes superior e inferior, foram utilizados pinos-guia, indicados na Fig.1. A remoção das porcas forjadas a quente era realizada pelo uso de um extrator mecânico. A concepção do ferramental produzido se enquadra no forjamento a quente de matrizes fechadas sem a formação de rebarba.
De acordo com Grunning (1966), a altura do tarugo não deve exceder a 2,5 vezes o seu diâmetro, para evitar sua flambagem. Foi utilizado, para o forjamento das porcas oitavadas, um tarugo cilíndrico de aço carbono ASTM A-105, com diâmetro de 32 mm e altura de 41 mm, aquecido em um forno de indução a uma temperatura média de 950°C. O material utilizado para as matrizes foi o aço ferramenta AISI H13, que apresentou uma dureza média de 52 HRC depois de temperado e revenido. Os forjamentos das porcas foram realizados em uma prensa de fricção com acionamento por fuso da marca Gutmann com carga nominal de 250 toneladas-força.
Antes do início do forjamento, as matrizes recebiam a aplicação de um desmoldante por meio de bico atomizador. Dois tipos de compostos foram utilizados neste estudo: um à base de óleo mineral e outro à base de grafite. Shaw (1955) adotou um módulo de compressibilidade de 200 MPa para uma solução aquosa com grafite, na proporção de uma parte de grafite para quatro de água (1:4). Pressupondo uma possível linearidade da dissolução do composto grafitado com o módulo de compressibilidade, tomaram-se os seguintes módulos de compressibilidade para as proporções: 50 MPa (1:16) e 100 MPa (1:8). Estas proporções de grafite e água foram empregadas no forjamento industrial das porcas e os valores dos módulos de compressibilidade foram empregados nas simulações numéricas.
Além disso, foi empregado um lubrificante à base de óleo mineral para o qual foi tomado um módulo de compressibilidade de 500 MPa (Shaw, 1995). A Tabela 1 resume as quatro situações analisadas, com os respectivos módulos de compressibilidade.
Modelagem Numérica
A avaliação numérica do forjamento foi realizada pelo aplicativo numérico DEFORM 3D versão 10.0 (Scientific Forming Technologies Corporation, Columbus, Ohio, USA), que utiliza a abordagem de elementos finitos através do método implícito.
O aço ASTM A-105 foi modelado como material isotrópico e rígido-plástico, com uma malha de 45.000 elementos tetraédricos. A curva de fluxo para descrever o comportamento do aço carbono A-105 durante o forjamento é função da deformação, da taxa de deformação e da temperatura e foi obtida diretamente da biblioteca do software, da mesma forma que suas propriedades térmicas. As matrizes superior e inferior, o macho e o extrator foram modelados como corpos rígidos. No intuito de verificar somente a influência do módulo de compressibilidade na geometria e na força de forjamento, em todas as simulações foi utilizado o mesmo fator de atrito de 0,4 nas interfaces das matrizes/material, recomendado pelo banco de dados do aplicativo DEFORM 3D. Os módulos de compressibilidade permaneceram constantes ao longo de toda a simulação do processo, e o forjamento da porca oitavada foi tomado como isotérmico.
Assim como na parte industrial, para a realização do forjamento numérico da porca foi empregado uma prensa de fricção com acionamento por fuso, com uma eficiência de 85% e com a mesma capacidade nominal especificada pelo fabricante (250 toneladas).
Nas simulações numéricas, o conjunto superior (camisa, matriz superior e o macho), Fig.1, desloca-se 0,05mm a cada incremento de simulação. Até o final do forjamento, esse conjunto percorre 20,55mm, sendo assim, são necessários 411 passes para conformar a porca numericamente.
Resultados e Discussão
A Tabela 2 mostra os valores aproximados das forças máximas de forjamento, determinadas numericamente para os desmoldantes/lubrificantes empregados no estudo.
Observa-se que para os desmoldantes/lubrificantes à base de água/grafite, as forças numéricas máximas foram as mesmas, independente dos valores dos módulos de compressibilidade; já no caso do desmoldante/lubrificante I, a sua força máxima de forjamento foi 9% maior que as obtidas para os casos II, III e IV, indicando uma influência do módulo de compressibilidades desses materiais.
Após a fabricação industrial das porcas, empregando os desmoldantes/lubrificantes da Tabela 2, estas foram inspecionadas visualmente, verificando as dimensões finais e possíveis imperfeições geométricas e superficiais. A Fig.2 mostra as características das porcas forjadas industrialmente e as previsões obtidas através da simulação numérica, empregando o desmoldante/lubrificante I.
A Fig.2a indica que não houve preenchimento completo da matriz nas quinas inferiores das porcas, voltados para a matriz inferior (regiões indicadas pelos círculos pontilhados). Os resultados da simulação mostrados na Fig.2b confirmam os resultados experimentais. A Fig.3 fornece mais detalhes da situação, obtidos pela simulação numérica.
A Fig.4 mostra as porcas forjadas industrialmente com os desmoldantes/lubrificantes II, III, e IV, assim como os resultados obtidos através da correspondente simulação numérica. Em contraste com a situação mostrada nas Fig.2 e Fig.3, não mais se observam problemas de preenchimento das quinas da matriz inferior.
Uma vez que a única diferença entre os diversos forjamentos industriais foi o desmoldante/lubrificante empregado, e que na simulação numérica a única diferença foi a compressibilidade destes desmoldantes/lubrificantes, conclui-se que a falta de preenchimento observada quando o forjamento foi realizado com o desmoldante/lubrificante I, e que exibe maior constante de compressibilidade (ou seja, é menos compressível que os outros desmoldantes/lubrificantes empregados), é devido ao aprisionamento do lubrificante em bolsas nas quinas da matriz inferior, e que, não sendo compressível, atuou como uma “falsa matriz”, impedindo o adequado preenchimento da matriz.
Uma cuidadosa inspeção visual foi realizada nas porcas obtidas através do forjamento industrial. O emprego dos desmoldantes/lubrificantes II e III levou à presença de ranhuras nas faces laterais das porcas em contato com a matriz inferior (ver Fig.5), decorrentes da falta de adesão dos desmoldantes/lubrificantes à matriz e/ou da ruptura do filme lubrificante no transcorrer do forjamento nesta região em específico. Tais ranhuras não foram observadas no modelo numérico proposto.
Para o desmoldante/lubrificante IV, a proporção de dissolução do grafite na água (1:4) foi suficiente para a formação das camadas de adesão e de acúmulo de grafite, sem comprometer os aspectos geométricos e/ou visuais do produto forjado final. A utilização do desmoldante/lubrificante I também não causou problemas visuais nas porcas forjadas industrialmente.
Conclusão
O desmoldante/lubrificante à base de óleo, além de aumentar a força máxima de forjamento, foi responsável pelo não preenchimento das quinas inferiores das porcas, devido à sua alta constante de compressibilidade, que transforma o lubrificante aprisionado numa “falsa matriz”.
Os resultados obtidos numericamente descreveram de forma satisfatória os resultados experimentais obtidos industrialmente, constituindo, assim, importante ferramenta de análise de operações de forjamento com emprego de desmoldantes/lubrificantes de diferentes características.
Revisão de tradução gentilmente realizada pelo diretor da Mettalforma Ltda, Luciano de Assis Santana, telefone (11) 5092-3929, email: luciano@mettalforma.com.br.
Agradecimentos
Os autores agradecem à CAPES, CNPq e FAPEMIG pelo suporte para a concretização deste trabalho.
Contribuição técnica ao 34º Seminário Nacional de Forjamento (34º SENAFOR), 18ª Conferência Internacional de Forjamento, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 8 a 10 de Outubro de 2014.
[our_team image=”” title=”Referências” subtitle=”” email=”” phone=”” facebook=”” twitter=”” linkedin=”” vcard=”” blockquote=”” style=”vertical” link=”” target=”” animate=””][/our_team]
[1] Sawamura, M., Yogo, Y., Kondo, S., Tanaka, T., Nakanishi, K., Suzuki, T., and Watanabe, A. Estimation of Spray Lubrication and Die Temperature for Die Wear Life Prediction in Hot Forging, R & D Review of Toyota CRDL, Vol. 40, No.1, 2005;
[2] Grunning, K., Técnica da Conformação. Editora Polígono, 1973. Metals Handbook. Forming and Forging, Vol.14. Ed. Metals Park. American Soc. For Metals. 1988;
[3] Konig, W., Klocke, F. Fertigungsverfahren. Bd. 4. Massivumformung, Dusseldorf, VDI-verlag, 1995;
[4] Mang, T., Dresel, W. Lubricants and Lbrication. Wiley-VCH Verlag GmbH & Co. kGaA. 2007;
[5] Shaw, H.L., Boulger, F.W., Lorig, C.H. Development of Die Lubricants for Forging and Extruding Ferrous and Nonferrous Materials. Air Materiel Command United States Air Force Wright-Patterson Air force Base, Ohio. 1955.