Saiba mais sobre a coluna: O Futuro e a Nuvem de Tróia

O Futuro e a Nuvem de Tróia :

No ano de 1982, a turma de recém-contratados pela Cosipa, incluindo eu, visitou gasômetros da empresa dentro do programa de integração engenheiros. O clímax do evento foi a subida ao topo do maior deles, o que continha gás de alto-forno. Os veteranos se divertiam com o ar pouco confortável dos calouros. Até que um dos novatos perguntou: “Isto aqui não pode explodir não?”. Resposta: “Nunca houve explosão de gasômetro em siderúrgica, mesmo quando alguns deles foram metralhados na II Guerra”.

Eu poderia ter retrucado que, exatamente quinze anos antes, a poucos quilômetros de onde estávamos, o gasômetro de Santos havia explodido, causando enorme destruição material – ainda que, felizmente, sem feridos graves, nem mortes. Mas deixei pra lá – eu era novo de empresa e não ia iniciar minha carreira siderúrgica criando polêmica com veteranos…

Certo dia, mais de 36 anos depois, quase caí da cadeira quando vi a mensagem urgente da Folha de SP no celular informando sobre a explosão do gasômetro de uma grande siderúrgica mineira. Afinal, a quantidade de energia encerrada num gasômetro é imensa, constituindo um enorme potencial de destruição em caso de descontrole. Felizmente, mais uma vez, não houve feridos graves, e os danos materiais foram bem menores do que os verificados em Santos, apesar da quantidade de gás envolvida ser bem maior.

Ao que parece, a exemplo do que ocorre com paióis de explosivos, gasômetros siderúrgicos são concebidos de forma a possuir um teto mais fraco do que o resto de sua estrutura, direcionando a força de uma eventual explosão para o céu vazio e poupando seus arredores – como, aliás, ocorreu no Rio de Janeiro quando paióis da Marinha explodiram em julho de 1995.

De toda forma, foi uma ocorrência potencialmente séria, ainda que muito rara, o que criou uma grande expectativa sobre a apuração de suas causas. Os primeiros comunicados dão conta de que ela foi causada por uma falha num controlador lógico programável, que acabou permitindo a introdução de uma grande quantidade de ar atmosférico no gasômetro, onde se misturou com o monóxido de carbono normalmente presente em seu interior, criando uma mistura explosiva que acabou sendo detonada por uma faísca ao passar pelo limpador eletrostático de gás.

Uma vez que a falha foi identificada num dispositivo digital, ficou cristalinamente óbvio que somente o uso desse moderno recurso não é condição suficiente para garantir uma operação segura. E, na verdade, as coisas podem ficar ainda piores no futuro. Em abril de 2015 discutimos neste espaço a ocorrência de um inédito ataque digital via internet a uma siderúrgica alemã, o qual teria afetado a operação de um alto-forno, impedindo que ele fosse corretamente desligado.
E justamente agora se discute a implantação da assim chamada Indústria 4.0 à siderurgia – aliás, tema da edição de janeiro de 2018 desta coluna. Ela propõe o aumento da eficiência operacional de uma planta através da análise massiva contínua de todos os seus dados, visando descentralizar, agilizar e orientar a tomada de decisões para maximizar sua eficiência e minimizar seus custos.

Analise:

Essa análise geralmente requer que uma grande massa de dados sejam armazenada na chamada “nuvem”, cujas instalações físicas são externas à usina. A nuvem permite que esses dados sejam diretamente acessados por todas as partes, como filiais, clientes, fornecedores e empresas de assessoria técnica, eventualmente dispersas pelo planeta todo. Uma consequência dessa abordagem é a exposição do fluxo de informações da empresa ao meio externo o que, em tese, facilita invasões digitais por parte de indivíduos mal-intencionados, caso não forem adotadas medidas eficazes de ciberproteção.

Para quem acha ataque a gasômetros algo mirabolante demais, basta lembrar o caso Para-Sar, ocorrido aqui mesmo no Brasil há meio século atrás, quando militares da direita radical chegaram a planejar um atentado ao gasômetro situado em pleno centro do Rio de Janeiro, na hora do rush, com a intenção explícita de causar o maior número de vítimas. O objetivo erar atribuir o ataque aos comunistas e usar o choque na opinião pública para justificar o assassinato de inúmeros líderes políticos.

Felizmente, alguns corajosos integrantes do Para – Sar – na verdade, um esquadrão criado para missões humanitárias e de resgate, e que ironicamente havia sido convocado para executar o plano – impediu esse desastre, denunciando-o a seus superiores hierárquicos. No futuro, não será mais necessário empregar um comando militar para sabotar um gasômetro ou qualquer outra instalação industrial ou de infraestrutura.

O ataque pode ser feito à distância, caso a facilidade esteja interligada em rede digital e não conte com proteção eficiente. É um sério alerta tendo em vista toda a hype deflagrada pela moda da Indústria 4.0.

 


Nome do autor: Antonio Augusto Gorni

Engenheiro de Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (1981); Mestre em Engenharia Metalúrgica pela Escola Politécnica da USP (1990); Doutor em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas (2001); Especialista em Laminação a Quente.

  • Autor de mais de 200 trabalhos técnicos nas áreas de laminação a quente
  • Desenvolvimento de produtos planos de aço
  • Simulação matemática
  • Tratamento térmico e aciaria.