Todo profissional de Tratamentos Térmicos, e de resto, todo e qualquer profissional envolvido na fabricação de componentes de aço, que um dia tenha tido a necessidade de executar um tratamento térmico de têmpera, já deparou-se com a questão distorções dimensionais.
O assunto, complexo por sua natureza, envolve inclusive reações emocionais, pois em muitas situações, a perda do componente em questão é irreversível, dada a intensidade das distorções.
Acusações e questionamentos, particularmente direcionados ao profissional de tratamentos térmicos, chegando inclusive à discussões quanto a natureza pessoal ou mesmo moral deste profissional, estão frequentemente presentes, e, no entanto, a questão distorções dimensionais após tratamento térmico, é uma questão simplesmente natural, que segue regras físicas perfeitamente conhecidas, como, por exemplo, ocongelamento da água.
A água pura atinge seu congelamento a 0ºC, ao nível do mar. Todos tem uma gaveta de gelo em seu refrigerador doméstico, e possivelmente devem ter notado que, após o congelamento, ocorre uma expansão no volume ocupado. Há, de fato, a formação de um “menisco” na superfície do cubo de gelo, impedindo, o perfeito empilhamento dentro de copos, por exemplo. (fig. 1).
A formação deste “menisco” pode ser entendida como uma expansão volumétrica, calculável e previsível, e, de fato, trata-se de uma propriedade intrínseca da substância água, de sofrer uma expansão volumétrica quando muda do estado líquido para o sólido.
No caso dos aços que sofrem tratamento térmico de têmpera, a mudança microestrutural envolvida neste tipo de tratamento (transformação martensítica) tem, como consequência natural a expansão do seu volume, que pode, sob condições controladas, ser calculada e prevista.
Em outras palavras, as distorções encontradas após o tratamento térmico de têmpera, são ocorrências naturais, que não podem ser evitadas e que não dependem de considerações ou desejos humanos, nem tampouco de desvios de natureza moral do profissional de tratamentos térmicos, ou, nas palavras de um grande profissional de tratamentos térmicos, Sr. Franz Sommer [1], “…se não deformou, então é porque o tratamento térmico não foi feito como deveria….”.
Entretanto, se não se pode evitar por completo, há diferentes formas de redução e controle das distorções dimensionais, em níveis que possibilitem sua correção (via usinagem, por exemplo) após o tratamento de têmpera.
O objetivo deste texto é desmistificar o assunto, trazê-lo à luz para que não seja esquecido ou ignorado pelos projetistas e listar, da forma mais prática possível, os métodos e procedimentos que podem, dentro dos limites impostos pela física, reduzir e manter sob controle o fenômeno.
Definição
Entenda-se por distorção dimensional toda e qualquer mudança irreversível nas dimensões de uma dada peça após tratamento térmico de têmpera [2].
A distorção dimensional pode ser classificada em dois grupos:
– distorções que causam alteração nas medidas da peça, de forma irreversível envolvendo expansão ou contração do volume, e mudanças lineares, sem, no entanto causar mudança na sua forma geométrica (fig. 2a);
– distorções que causam alteração de forma, de forma irreversível as quais alteram relações angulares, mudança lineares ou curvaturas da peça em questão (fig. 2b).
Em geral, na prática ambas comparecem ao final do tratamento térmico.
Todo e qualquer processamento de materiais de engenharia que envolva mudanças de têmperatura, causa distorções dimensionais, sejam irreversíveis ou não. O presente texto vai concentrar-se no processamento de têmpera dos aços, por ser esta a causa mais frequente e potencialmente danosa.
Causas das Distorções Dimensionais
Podemos classificar, para efeito didático [3], as causas das distorções dimensionais em dois grandes grupos:
– Distorções evitáveis;
– Distorções inevitáveis.
O grupo das distorções evitáveis engloba os procedimentos, tanto anteriores como os inerentes ao tratamento térmico de têmpera em si. Não se trata aqui de eliminar por completo seu efeito, pois muitas vezes isso ou não é possível, ou é tão custoso que não vale a pena, mas sim de controlar e aplicar procedimentos que reduzam ao mínimo aceitável o seu efeito.
Este grupo pode ter uma sub-classificação como segue:
– Distorções evitáveis internas ao processo de Tratamento Térmico;• Distorções evitáveis externas ao processo de Tratamento Térmico.
O grupo das distorções inevitáveis engloba as causas físicas da distorção dimensional, as quais, como o próprio nome diz, não podem ser evitadas.
Dentro deste grupo, igualmente poderemos sub classificar em:
– Distorções inevitáveis de causa térmica;• Distorções inevitáveis de causa melúrgica.
Em resumo, num quadro sinótico, temos: (figura 3)
O capítulo II, na próxima edição, tratará das distorções evitáveis, listando individualmente as causas e as consequências. As inevitáveis serão tratadas no capítulo III, e finalizando este texto, o capítulo IV tratará dos procedimentos e métodos para reduzir e manter sob controle as distorções dimensionais.
Finalizando este capítulo, introdutório ao assunto, uma mensagem que todo projetista deve ter em mente quando trabalha num projeto de componentes:
“…todo e qualquer componente em aço, que for, em algum momento de sua fabricação, submetido a tratamentos térmicos, sofrerá, necessariamente, distorções dimensionais. Sua previsão, e métodos de controle, deverá ser incluída ainda na fase de projeto do componente, o que contribuirá, em grande parte, para o sucesso do projeto, seja em termos técnicos, seja em termos econômicos…”.
Referências
[1] SOMMER, FRANZ, ex-diretor da Brasimet Comercia e Indústria S.A;
[2] METALS HANDBOOK, 10th Edition, Vol. 4, ASM, 1991, USA;
[3] YOSHIDA, Shun, Curso de Tratamento Térmico Brasimet, 1999, São Paulo, Brasil.