A análise de tensões residuais é uma etapa importante na produção de componentes para a estimativa da sua confiabilidade em condições reais de serviço
A maior parte das trincas de fadiga inicia-se na superfície ou em regiões subsuperficiais [1, 2, 3, 4]. De fato, a superfície é a região do componente que geralmente suporta a maior carga aplicada durante a operação, estando sujeita a condições ambientais adversas e podendo conter defeitos e tensões residuais provenientes de processos de fabricação e/ou montagem e operação [4].
Atualmente, o emprego da têmpera por indução é exercido com os seguintes objetivos: aumentar a dureza, a resistência ao desgaste e também à criação de uma camada martensítica em áreas específicas da peça [5]. No entanto, sabe-se que os tratamentos térmicos de componentes produzem não somente uma influência favorável sobre as propriedades do material, mas também mudanças indesejáveis de dimensão e forma que devem ser removidas por etapas adicionais no processo (usinagem e acabamento). Estas variações dimensionais e mudanças de forma que muitas vezes são referidas como “distorção” [6].
Cada etapa de produção influencia na distorção, gerando um potencial de distorção que, armazenado na peça, passa para as etapas subsequentes de processo.
Materiais e Métodos
De acordo com o produto final e tensões residuais associadas a ele, a amostragem foi feita após têmpera por indução em que a distorção dos eixos se manifesta na forma do empenamento. Dentro de um lote de amostras da mesma corrida, algumas foram submetidas a uma etapa de desempenamento enquanto outras atingiram o produto final logo após o tratamento térmico, ou seja, não apresentaram empenamento (ou distorção). Desta maneira, foram selecionados dois grupos de amostras, as não empenadas (chamadas de A) e outras desempenadas após empenamento excessivo (chamadas de V). Resultado da análise química dos materiais, vide Tabela 1. A Fig. 1 apresenta um diagrama esquemático do processo e as condições analisadas.
De acordo com a geometria dos eixos apresentada na Fig. 2, é possível visualizar as posições onde foram realizados os cortes, as subdivisões após o corte, as reduções de seção e as regiões de medição de tensões. Com respeito às medições de tensões residuais as amostras foram medidas com o difratômetro fixo na região 1 – parte 1. O diâmetro das amostras é de 23,3 mm (exceto nas Áreas 0, 1 e 2, as quais apresentam pequenas reduções de seção).
Com respeito às análises metalográficas, as amostras foram submetidas a um corte por eletroerosão, visto que este método tende a não provocar consideráveis mudanças microestruturais e grandes alterações no perfil de tensões residuais. A superfície foi lixada sequencialmente com lixas mesh de diferentes granulometrias (220, 320, 400 e 600) e depois atacada com Nital 2%. O tempo de imersão no reagente variou de 5 a 10 segundos. Por fim foram realizadas as micrografias.
Os perfis de dureza e análise de profundidade de camada efetiva foram realizados com um macrodurômetro Vickers, modelo 5114 da marca Buehler, utilizando carga de 1 kg (HV1), tempo de pressão 15 segundos, número de medições 74 (da superfície ao núcleo), de acordo com a Norma DIN 50190/2.
Na técnica de difração de raios-X, as amostras foram medidas utilizando difratômetro ? equipado com tubos de raios-X de Cr-K com abertura primária de 1 mm de diâmetro.
As linhas de difração {211} do Ferro-a foram registradas para 11 ângulos de inclinação na faixa de 45° < ? < -45°. As tensões residuais foram calculadas usando o método de sin2 ? com E = 210000 MPa e v=0.28 (7).
Resultados
Análise metalográfica
Nos resultados mostrados na Fig. 3, nas metalografias da interface camada temperada/núcleo foram percebidas pequenas variações microestruturais e isso sugere alterações durante o tratamento térmico.
Perfil de microdureza
De acordo com os resultados apresentados para a posição (C1= 210 mm), os perfis de microdureza mostraram-se similares tanto para amostragem A quanto para a V. Estes perfis de microdureza são apresentados na Fig. 4. Como a distribuição de dureza nas peças é devida à distribuição da temperatura, microestrutura do metal e condições de têmpera [8] e relacionado a isto os resultados obtidos, nota-se que o tratamento térmico não foi empregado da mesma maneira e, com mesmos parâmetros, para as duas condições analisadas.
De acordo com os valores mostrados na Tabela 2, é possível perceber que as amostras vermelhas possuem uma maior média de microdureza e que a diferença entre as médias foi de 42,4 HV.
Profundidade de camada
A Fig. 5 mostra medições da profundidade de camada efetiva para os dois eixos analisados com relação à posição de 210 mm. Levando em consideração o fato de que as peças são oriundas de um mesmo lote e que passaram pelos mesmos processos de manufatura, a diferença existente entre os resultados para as amostras V e A também sugere alguma variação durante a têmpera por indução. Alguns estudos [9] e [10] já comprovaram que uma maior profundidade de camada endurecida resulta em uma maior distorção.
Resultados de Tensões Residuais
De acordo com o processo, os resultados referentes às amostras A estão mais correlacionados ao tratamento térmico pelo fato de que estas amostras não apresentam empenamento e resultam diretamente no produto final após a têmpera por indução. Por outro lado, as amostras V estão na pior condição, ou seja, são temperadas por indução e ainda desempenadas.
Medições com difratômetro fixo e comparações entre os equipamentos
Conforme já mencionado anteriormente, as amostras foram novamente medidas após o corte com um difratômetro fixo (convencional) de raios-X.
Parte 1 – Região 1
A Fig. 6 e a Fig. 7 apresentam os resultados para a Parte 1. Em uma análise mais detalhada do perfil de tensões residuais superficiais axiais, visualizada após medições com difratômetro fixo, é possível perceber dois picos de tensões nas posições de 118 mm e 136 mm de amostras A. Estes dados podem estar associados a alguma mudança durante o processo de têmpera.
Comparando os resultados obtidos com os dois equipamentos, nas amostras A (posições de 110 mm, 125 mm e 140 mm) percebem-se valores menos compressivos de tensões residuais para a direção de orientação de 0° em relação aos resultados oriundos da direção de 180°. Conforme a literatura, isto pode ser uma indicação de empenamento. Houve diferenças de resultados entre os dois equipamentos de medição e estas podem estar associadas às características particulares de cada um, mas principalmente devido ao rearranjo natural das tensões oriundo do corte. Tensões globais associadas à geometria são liberadas devido ao corte, porém os efeitos locais permanecem.
Também em relação à parte 1, mas agora para uma amostra V (Fig. 7), nota-se novamente o aparecimento de alguns picos de tensões residuais superficiais e estes seguem um comportamento semelhante ao ocorrido com a amostra azul. O perfil de tensões residuais na superfície é mais disperso e influenciado pelas etapas de têmpera, revenimento e desempeno com valores apresentando grande variação ao longo dos pontos e, assim, pode-se afirmar que o nível de tensões residuais é muito variável.
Conclusões
Os resultados mostram que o tratamento térmico não foi o mesmo para os grupos de amostras analisadas.
A amostra V apresentou maior média de microdureza HV1 e maior profundidade de camada efetiva e, sendo assim, estes fatos contribuíram para o maior empenamento (distorção de forma).
Percebe-se que existe uma grande influência da etapa de desempeno na redistribuição de tensões residuais superficiais axiais de eixos empenados (amostras V). Na prática, em condições reais de serviço, a maior variação do perfil de tensões residuais superficiais pode ser perigosa, comprometer a vida em fadiga e pode ocasionar a fratura do componente.
Agradecimentos
Este trabalho é parte dos resultados da Iniciativa Brasil-Alemanha para Pesquisa na colaboração em Tecnologia de Manufatura – BRAGECRIM, os autores agradecem a CAPES, CNPq, FINEP e DFG pelo suporte financeiro para a realização deste projeto.
Referências
[1] LEMOS, G. V. B. “Análise de Tensões Residuais em Eixos Automotivos do Aço DIN 38B3 Temperados Por Indução”. Dissertação de Mestrado, PPGE3M/UFRGS. Porto Alegre, RS, Brasil, 2012.
[2] DIAS, V. W. Estudo Comparativo entre Processos de Revenimento. Trabalho de Diplomação: UFRGS, 2010.
[3] WEISS, K.; RUDNEV, V. I.; COOK, R.; LOVELES, D.; BLACK, M. Induction Tempering of Steel. Advanced Materials & Processes. August 1999.
[4] SOARES, M. B. Influência das Tensões Residuais no Comportamento em Fadiga e Fratura de Ligas Metálicas. Dissertação de Mestrado, USP, 1998.
[5] RUDNEV, V. I.; COOK, R.; LOVELES, D.; BLACK, M.; MURRAY, J. Induction Hardening Basics for Iron and Steel. 2000.
[6] BRINKSMEIER, E; SÖLTER, J; GROTE, C. Distortion Engineering – Identification of Causes for Dimensional and Form Deviations of Bearing Rings. CIRP Annals – Manufacturing Technology. Volume 56, p: 109–112. 2007.
[7] HAUK, V.; “Structural and Residual Stresses Analysis by Non-Destructive Methods”. Elsevier, 1997.
[8] RUDNEV, D.; LOVELESS, R.; COOK, R.; BLACK, M. Handbook of Induction Heating. Publisher: Marcel Dekker. New York. 2003.
[9] ROCHA, A. S.; NUNES, R. M.; de Souza, T. F.; SOARES, C. A. T.; STEPHAN, H.; Tekkaya A.E; HIRSCH, T. K. Experimental Characterization and Simulation of a Wire Drawing Process and Related Distortion Potentials. 3rd International Conference on Distortion Engineering, p: 229-238. Bremen, Germany, 2011.
[10] TOTTEN, G. E. Heat Treatment Handbook – Metallurgy and Technologies. 2nd edition. USA. 2006.