O tratamento de notretação em banho de sais é uma rara opção para se obter peças e ferramentas com alta resistência ao desgaste, baixo coeficiente de atrito e alta resistência à fadiga e corrosão
Os processos termoquímicos popularmente conhecidos por “nitretação em banhos de sais” (Fig. 1) surgiram, industrialmente, na década de 1930. Apesar do nome, a idéia de que as superfícies das peças ou ferramentas serão enriquecidas apenas com nitrogênio, não é verdadeira – junto com o nitrogênio também se introduz carbono, o que pode ser visto pela reação química básica que ocorre nos sais contidos no banho:
2KCNO + ½ O2 –> C + 2N + K2CO3
No meio acadêmico, o processo recebe o nome genérico de “nitrocarbonetação em banhos de sais” (processos comercialmente conhecidos por SBN, TUFFTRIDE, MELONITE, SURSULF, TENIFER, etc.) Se, ao final do tratamento, a camada nitrocarbonetada ainda for oxidada, o processo passará a denominar-se “oxinitrocarbonetação em banhos de sais” (conhecidos pelos nomes comerciais de QPQ, ARCOR, OXINIT, TENOX, etc.).
A vantagem da nitrocarbonetação em banhos de sais, quando comparada a outros processos, reside nos tempos curtos dos tratamentos (as profundidades nitrocarbonetadas, mencionadas na Tabela 1, consideram tempos de tratamento de 3’ a 2 horas), na possibilidade de se tratarem grandes lotes de peças numa mesma fornada, na homogeneidade dos resultados obtidos, na quantidade mínima de parâmetros de processo a serem controlados, na dispensa da utilização de processos muito caros para a pré-limpeza e no baixo custo de capital.
Como desvantagem, deve-se mencionar que estes processos não permitem tratamentos parciais e que a pós-limpeza de peças que apresentem furos cegos, exige maiores cuidados.
Quanto aos aspectos ambientais, deve-se salientar que os processos de nitrocarbonetação em banhos de sais atendem a todos os requisitos das normas ISO 14000. Os produtos resultantes das reações químicas dos banhos (formação de lama) são criteriosamente armazenados e destinados a aterros da Classe II. As águas utilizadas para a limpeza das peças são tratadas numa ETE (Estação de Tratamento de Efluentes Líquidos) e lançadas na rede pública, de acordo com as exigências estabelecidas no Artigo 19 do Decreto-Lei Estadual nº 8468/76, que dispõe sobre a prevenção e o controle da poluição do meio ambiente, no Estado de São Paulo.
Propriedades Obtidas Pelas Peças Nitrocarbonetadas
– Baixo coeficiente de atrito adesivo (metal x metal);
– Baixo coeficiente de engripamento (poder autolubrificante);
– Baixa aderência a plásticos e metais líquidos;
– Alta resistência à fadiga de contato (formação de pites);
– Alta resistência à fadiga mecânica (vibração, esforços alternados, etc.) e térmica;
– Alta resistência à corrosão. Peças tratadas pelo processo de nitrocarbonetação resistem, em média a 48 horas de testes de salt-spray (ASTM B-117); quando o processo for o de oxinitrocarbonetação, chega-se a cerca de 144 horas e, se antes da oxidação final, ainda for realizada uma operação intermediária de polimento, pode-se chegar a ultrapassar 400 horas, desde que a rugosidade superficial (Ra) seja inferior a 0,2 µm.
Metalografia de Uma Peça / Ferramenta Nitrocarbonetada
A grande maioria dos processos de nitrocarbonetação é realizada a baixas temperaturas (abaixo de 600°C). Nestas condições, a velocidade de transporte do nitrogênio e do carbono, do meio nitrocarbonetante até a superfície das peças, é bem superior àquela da difusão destes elementos em direção ao núcleo do aço (ou do ferro fundido). Consequentemente, logo abaixo da superfície, acumulam-se átomos de nitrogênio que não conseguem difundir e acabam formando uma zona sub-superficial, predominantemente constituída por nitrocarbonetos complexos do tipo e (MeFe2,3N), tecnicamente denominada “camada branca” (white layer, em inglês) ou “zona de complexos” (compound layer, em inglês) (Fig. 2).
A denominação “camada branca” deve-se ao simples fato dela permanecer branca, mesmo depois de ser “atacada” por um reagente metalográfico (Nital). Isto significa que suas características estruturais são diferentes das do restante do aço; elas se assemelham às dos materiais cerâmicos, com a diferença de apresentarem uma maior tenacidade, pelo fato de possuírem carbono em sua composição (i).
(i) Processos de nitretação pura (sem difusão simultânea de nitrogênio e carbono) também podem vir a formar camadas brancas constituídas por nitretos do tipo e, porém sua tenacidade será inferior à obtida pela nitrocarbonetação.
Normalmente, a camada branca das peças nitrocarbonetadas em banhos de sais apresenta porosidades (ii) junto à superfície das peças. Dependendo das funções que estas peças deverão assumir no campo, as porosidades poderão ser desejáveis, ou não. Assim, se a superfície da peça tiver que suportar cargas superficiais específicas relativamente altas (em torno de 20 MPa para aços-carbono e de construção mecânica), é recomendável que a porosidade não ultrapasse 30% da profundidade total. Já quando o objetivo do tratamento for a obtenção de propriedades “auto-lubrificantes”, recomenda-se uma porosidade de até 50%, suficiente para reter óleos ou selantes especiais. Camadas brancas com porosidades mais altas poderão “desplacar”.
(ii) A causa da formação de poros nas regiões mais externas da camada branca ainda não foi plenamente identificada. A teoria mais aceita até o momento diz que, devido à baixa difusibilidade dos átomos de nitrogênio no aço, e também ao excesso de oferta do meio nitrocarbonetante (quando a nitrocarbonetação é realizada em banhos de sais, a fonte de nitrogênio é o cianato, descrito no primeiro item deste artigo), dois átomos (íons) de nitrogênio poderão unir-se, formando-se uma molécula, dentro do reticulado cristalino da liga de ferro. Este fenômeno aumentaria tanto a pressão do sistema, que os átomos de ferro se afastariam, criando um espaço vazio (poro).
Logo abaixo da “camada branca”, encontram-se muitos átomos de nitrogênio que conseguiram penetrar mais profundamente (difundir) no aço/ ferro fundido. Esta região é denominada “zona de difusão” e apresenta-se mais escurecida do que a matriz do restante do material. Nela, os átomos de nitrogênio formam pequenos nitretos metálicos, do tipo a’, que contribuem, significativamente, para o aumento da rigidez do sistema (dureza) e para o “bloqueio de discordâncias”. Esta última função é a responsável pelo aumento da resistência à fadiga mecânica e térmica dos materiais nitrocarbonetados.
Empenamento de Peças Nitrocarbonetadas em Banhos de Sais
Quando se fabricam peças sem se respeitarem as regras básicas de usinagem como, por exemplo, ultrapassar o limite de escoamento do material, chegando até a produzir cavacos azuis, qualquer aquecimento que se realize acima de ~450°C, poderá empená-las (lembre-se que o alívio de tensões de um aço tensionado acima do seu limite de escoamento determina uma deformação residual que, num teste de tração, denomina-se alongamento).
A maioria dos processos é realizada entre 520 e 600°C. Se a usinagem não puder ser realizada sem “forçar demais” o material, recomenda-se fazer um alívio de tensões, a pelo menos 50°C acima da temperatura que será utilizada pelo processo de nitrocarbonetação, antes de iniciar-se o tratamento. Se, depois do alívio de tensões, as peças empenaram, significa que elas se encontravam tensionadas acima do limite de escoamento e, deverão ser desempenadas criteriosamente. Só depois disto é que se devem tratar as peças.
Distorções Dimensionais de Peças Nitrocarbonetadas em Banhos de Sais
A introdução de nitrogênio e de carbono pela superfície de uma peça determina, naturalmente, um aumento de volume (dois corpos não podem ocupar lugares iguais num mesmo espaço).
Quando o material tiver sido previamente temperado e revenido, é importante que a temperatura de revenimento utilizada seja superior àquela que será utilizada pelo processo de nitrocarbonetação A razão disto reside no fato do revenimento causar uma redução volumétrica do aço (ou do ferro fundido). Se estas precauções forem obedecidas, vale a seguinte regra:
Independentemente das dimensões, cada face das peças tratadas pelos processos de nitrocarbonetação em banhos de sais “incha” entre 25% e 33% da espessura da camada branca.
Exemplo:
Peça plana:
– Profundidade da camada branca especificada: 10 a 15 µm;
– Crescimento mínimo, por face: 25% de 10 µm = 2,5 µm;
– Crescimento máximo, por face: 33% de 15 µm = 5,0 µm.
Eixo, ou furo interno:
– Profundidade da camada branca especificada: 10 a 15 µm;
– Crescimento / redução mínima do diâmetro do eixo/ furo: 2x 25% de 10 µm = 5,0 µm;
– Crescimento / redução máxima do diâmetro do eixo/ furo: 2×33% de 15 µm = 10,0 µm.
Para mais informações: Contate Luiz Roberto Hirschheimer, gerente técnico de apoio ao cliente da TS Techniques Surfaces Brasil – HEF Group pelo tel.: (11) 4056-4433 ou pelo email luizroberto@tsbrasil.srv.br.