O tratamento criogênico é um assunto que sempre cria controvérsias. Muitos fatores são citados por aqueles que desejam banir o tratamento criogênico para o reino do óleo de cobra (fraude). No entanto, quem lê de forma séria a literatura científica sobre o assunto sabe que o tratamento criogênico é um meio valioso de modificar termicamente os metais. Na verdade, é um processo que está ajudando a mudar o tratamento térmico para o “processamento térmico”. Este artigo tem como objetivo esclarecer algumas das razões para tais controvérsias
A ausência de uma definição clara de tratamento criogênico contribui bastante para esta controvérsia. O tratamento criogênico, que trataremos como tratamento criogênico profundo (DCT – Deep Cryogenic Treatment), não é um tratamento frio (“cold”). O DCT tem características distintas que o fazem diferente do tratamento frio, incluindo a temperatura e o tempo.
Definindo Tratamento Criogênico Profundo
Primeiro vamos definir temperaturas. A comunidade científica define temperaturas criogênicas como aquelas abaixo de -150°C [1]. Não há um ponto de definição ou um acontecimento físico nesta temperatura, somente um valor conveniente. Note que isto significa que temperaturas de -80 a -100°C, frequentemente utilizadas no tratamento frio dos aços, não são temperaturas criogênicas válidas. As temperaturas usuais do tratamento criogênico estão abaixo de -185°C até -268°C.
Outra característica que distingue o DCT é o tempo de tratamento onde a taxa de resfriamento da peça deve ser lenta até a faixa criogênica. A redução na temperatura leva entre 4 e 10 horas. O objeto sendo tratado é então mantido na temperatura criogênica por um período de tempo – cerca de 4 a 8 horas – e deve ser seguido pelo ciclo de revenimento, que depende de qual material está sendo tratado (Fig.1).
Muitos pesquisadores tentam “burlar” o tempo de processo imergindo os materiais em nitrogênio líquido ou hélio líquido. Na melhor das hipóteses, não haverá mudança no desempenho do material; na pior, ocorrerá uma falha catastrófica. Infelizmente, tais resultados são citados como prova de que o DCT não funciona. Recentemente, a Controlled Thermal Processing foi contatada por um cliente que tentou tratar o arame que ele utilizava em seus produtos no laboratório de uma famosa universidade, que o imergiu em hélio líquido. Ele não conseguiu os mesmos resultados que havíamos produzido e quis saber o motivo. Ao não desenvolver o processo corretamente, é o mesmo que tentar endurecer um aço D2 – endurecível ao ar – aquecendo-o com uma tocha de acetileno e um balde de água para temperá-lo e, então, se queixar de que ele não funciona.
Equipamento para o DCT
Nós estamos percebendo que o equipamento também é importante. Nós vimos de tudo, desde caixas de isopor até fornos convertidos sendo utilizados na tentativa de tratar os materiais. O equipamento utilizado para o DCT deve ser concebido de tal modo que os perfis de tempo/temperatura possam ser monitorados (Fig. 2). O equipamento também necessita de um bom isolamento, de modo que a utilização de nitrogênio líquido seja minimizada para manter o processo econômico. A introdução do nitrogênio líquido na câmara de tratamento precisa ser controlada, de modo que não atinja diretamente as peças, provocando tensões e resfriamento instantâneo da superfície.
O que é o DCT?
O tratamento criogênico não é um processo amadurecido como o tratamento térmico. Há evidências de que o tratamento térmico de metais tenha mais de 8.000 anos. As temperaturas criogênicas foram conseguidas em quantidades industriais há pouco mais de 100 anos. Por muito tempo, o pensamento geral era de que uma vez que algo estivesse congelado nada mudaria. Os nossos esforços para traçar a história do DCT mostram que ele só começou a ser utilizado comercialmente no final da década de 1930. Devido a isto, o DCT é “novo” e não tem a mesma quantidade de pesquisa que o tratamento térmico em geral. Há mais e mais pesquisas sendo feitas atualmente e estamos vendo que as perguntas mudaram de “se o DCT funciona” para “porque ele funciona e quais os melhores parâmetros de processamento”.
Perceba que falamos de material e não de aço. Uma das coisas que acontece no DCT é a modificação na estrutura do reticulado cristalino. O DCT tem aplicações na maioria dos metais e em alguns plásticos.
Há evidências substanciais que provam que muito dos efeitos do DCT estão relacionados com mudanças na relação de átomo para átomo na estrutura do reticulado cristalino. Por exemplo, os defeitos puntiformes em materiais cristalinos são função da temperatura. O número de defeitos em equilíbrio a uma dada temperatura pode ser determinado matematicamente com a seguinte equação:
Onde: Nd é o número de defeitos, N é o número total de posições atômicas, Ed é a energia de ativação necessária para formar um defeito, k é a constante de Boltzmann e T é a temperatura absoluta.
Observe que é necessário tempo para que o equilíbrio seja atingido e que a taxa de redução de defeitos puntiformes diminui exponencialmente com a diminuição da temperatura. Assim, é possível “congelar” os defeitos puntiformes com uma queda de temperatura muito rápida. Esta é uma das razões para o resfriamento lento quando se realiza o DCT.
A solubilidade dos elementos de liga na matriz também é afetada pela temperatura. A solubilidade cai com a diminuição da temperatura, fazendo com que os elementos de liga se rearranjem e precipitem fora da matriz. Este provavelmente é o motivo de se ter formação de carbonetos em metais ferrosos que são tratados com DCT quando os elementos de liga se combinam com o carbono livre na microestrutura. De novo, é necessário tempo para que estas reações ocorram e uma redução repentina na temperatura não fornece tempo suficiente para que isto aconteça.
Controvérsias sobre o DCT
Algumas das maiores controvérsias sobre o processamento criogênico são reivindicações selvagens e infundadas que as pessoas têm feito a respeito dos efeitos do processo. Alegações como “ninguém explodiu um motor tratado criogenicamente” ou “que ocorre aumento de dez vezes na resistência à tração do aço” têm causado danos à reputação do processo. Estas alegações vieram de empresas que tinham pouco conhecimento metalúrgico e estavam tentando vender o processo. Este tipo de comportamento, na sua maior parte, parou quando o processo e os seus benefícios se tornaram mais claros.
Por outro lado, as pesquisas mostram que muitas das reivindicações que pareciam exageradas não são. Por exemplo, foi verificado em diversos laboratórios e testes práticos que o processo aumenta a vida de rotores de freio automotivo (Fig. 3). Isto apesar do fato de “especialistas” dizerem que a única maneira que o processo pode aumentar a resistência ao desgaste é convertendo a austenita retida em martensita.
A microestrutura dos rotores de freio (Fig. 4) é perlítica e não tem nenhuma austenita ou martensita. A literatura também mostra resultados em metais não ferrosos e em alguns plásticos. Muitas destas aplicações não apresentam nenhuma alteração na microestrutura. E, sim, instrumentos musicais e equipamentos de som também apresentam resultados. A Yamaha oferece o DCT em seus instrumentos de sopro e um número crescente de fabricantes de estéreos está oferecendo componentes tratados.
Outro item impedindo a volta do DCT é que ele raramente é ensinado nas faculdades e universidades. Não é incomum que metalurgistas afirmem que nunca ouviram falar do processo. E, mais uma vez, muitos têm certeza de que é apenas um tratamento frio utilizando temperaturas mais frias e, então, tentam explicar que ele não fará nada. Isto, como apontado anteriormente, é um resultado de não se olhar realmente para os efeitos da temperatura na estrutura cristalina.
Sumário
A Cryogenic Society of America (Sociedade Americana da Criogenia) criou um banco de dados que lista artigos com pesquisas e informações neste assunto. Este banco de dados está disponível a todos em: http://www.cryogenictreatmentdatabase.org/. O número dos artigos de pesquisa está crescendo e indo na direção de provar que o DCT funciona e de encontrar os melhores parâmetros de processo para um dado material e verificar porque o processo funciona.
O DCT mantém a promessa de redução de custos dos produtos e ferramentas (Fig. 5). Ele pode fazer produtos de qualidade superior aos seus concorrentes, mas isso abrandou consideravelmente a adoção do processo. A maioria dos fabricantes está muito nervosa sobre a introdução de um produto que poderia durar de três a quatro vezes mais do que o seu produto atual.
Sim, o processo ainda não tem um fenômeno totalmente sofisticado e completamente explicado. Os procedimentos de tratamento térmico também não eram sofisticados ou totalmente explicados nos primeiros 5.800 anos ou mais de uso, ainda assim eles foram amplamente utilizados. Ferrovias transcontinentais, carros e aviões foram produzidos com aço tratado termicamente antes de entendermos o processo de tratamento térmico. Nós só conseguimos temperaturas criogênicas há pouco mais de 100 anos. Vai levar tempo e pesquisa para descobrir porque o DCT produz estes resultados surpreendentes.
Para mais informações, contate: Frederick J. Diekman, presidente da Controlled Thermal Processing, Inc., PO Box 4005, Antioch IL 60002, EUA; +1 847 651 5511; info@metal-wear.com; www.metal-wear.com.
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[1] Radebaugh, Ray, “About Cryogenics,” The MacMillan Encyclopedia Of Chemistry, New York, 2002[2] DIAS, V. W. Estudo Comparativo entre Processos de Revenimento. Trabalho de Diplomação: UFRGS, 2010.