Na edição anterior desta coluna foi comentado o problema das emissões de gás carbônico ocorridas durante a produção do aço, desde a redução do minério até sua conformação mecânica. Mas, nas aplicações da área de transporte, isso é apenas a primeira parte do problema. É necessário também levar em conta as emissões de gás carbônico decorrentes do consumo de combustível nos veículos dotados de motores de combustão interna, particularmente os automóveis, presentes em grande número em todas as partes do mundo. Tais emissões são função principalmente do peso do automóvel – vale dizer, dos materiais nele utilizados.
A competição entre aço e alumínio pelo mercado automotivo, que está se acirrando nos últimos tempos, tem aumentado a necessidade de se comparar as emissões de gás carbônico decorrentes do uso desses materiais na fabricação de automóvel. Uma ferramenta muito útil nesse sentido é um aplicativo para iPad desenvolvido pela ThyssenKrupp Steel Europe (www.thyssenkrupp-steel-europe.com). Ele efetua uma comparação entre materiais automotivos do ponto de vista da proteção contra alterações climáticas, tomando como base um estudo feito pela Universidade da Califórnia em Santa Barbara (EUA). O nome desse aplicativo é Autobody LCA. Ele pode ser baixado gratuitamente no site da loja iTunes, da Apple, a partir do endereço itunes.apple.com/br/app/autobody-lca/id543203333?mt=8.
O estudo no qual se baseia esse aplicativo foi comissionado pela WorldSteel (www.worldsteel.org) e revisado por especialistas independentes. Ele compara as emissões de gás carbônico provenientes de automóveis cujas carrocerias foram feitas ou com aços avançados de alta resistência (AHSS, Advanced High Strength Steels) ou com alumínio. Esse aplicativo compara não apenas as emissões ocorridas ao longo da vida útil do veículo, mas também as associadas à produção dos materiais nele usados e à sua reciclagem após seu sucateamento.
É um fato reconhecido que o alumínio é mais leve do que os próprios aços AHSS e reduz mais intensamente as emissões de gás carbônico durante a vida útil do veículo. Mas o próprio International Aluminium Institute (www.world-aluminium.org) reconhece que a produção de uma tonelada de alumínio emite cinco vezes mais gás carbônico do que mesma quantidade de aço. O estudo feito pela Universidade da Califórnia mostra, com base em hipóteses plausíveis, que essa maior emissão de gás carbônico na produção de alumínio só será compensada se o veículo feito com esse metal rodar mais de 200.000 quilômetros – que, segundo a ThyssenKrupp, está bem acima da quilometragem média percorrida por um veículo típico.
“A competição entre aço e alumínio pelo mercado automotivo tem aumentado a necessidade de se comparar as emissões de gás carbônico decorrentes do uso desses materiais na fabricação de automóvel.”
Há múltiplas premissas que podem ser adotadas no cálculo. Por esse motivo, o aplicativo desenvolvido possui uma interface gráfica muito interessante: as diversas hipóteses e dados envolvidos na fabricação e utilização do veículo são introduzidos no programa por meio de botões giratórios; o resultado final, expresso pelo número de quilômetros que um automóvel feito de alumínio deve rodar para compensar a maior quantidade de gás carbônico gerada pela obtenção desse metal, é mostrado numa espécie de “velocímetro” virtual.
É claro que os resultados desse aplicativo podem dar origem a polêmicas acirradas. Só para iniciar o debate, a emissão de gás carbônico associada à obtenção do alumínio primário (vindo de seu minério, a bauxita) depende da fonte de energia elétrica usada no processo de eletrólise envolvido. No Brasil, onde a maior parte da energia elétrica vem das hidrelétricas, é de se supor que a emissão de gás carbônico associada a ela seja pequena. Será que o resultado do modelo da Universidade da Califórnia é válido para nossas condições? Para embaralhar ainda mais a questão, há especialistas que afirmam que as emissões de gás carbônico associadas à eletricidade gerada pelas hidrelétricas podem ser superiores à gerada em termelétricas, devido à decomposição das florestas submersas pelas represas, a qual produziria uma grande quantidade de dióxido de carbono e metano, gases que promovem o efeito estufa.
Outro aspecto que também deve ser considerado é a fração de alumínio reciclado que será usada no veículo; neste caso, a emissão de gás carbônico devido à sua eletrólise não mais entra no cálculo, e sim a que está associada a sua refusão e refino.
A atual legislação ambiental nos EUA e Europa geralmente avalia os veículos em função do seu consumo de combustível, até por ser um parâmetro que é relativamente fácil de ser determinado. A partir daí é possível calcular a redução nas emissões de gás carbônico decorrentes da queima de menor quantidade de combustível por quilômetro. Por conta disso, recentemente a Ford decidiu usar massivamente alumínio na carroceria no próximo modelo de sua pick-up F-150 a ser feita nos EUA. Mas a geração desse gás durante a fabricação e reciclagem pós-vida útil dos materiais usados no veículo não é levada em conta. Infelizmente, como acabamos de ver, esse cálculo é complexo e depende de uma série de hipóteses no mínimo polêmicas. Se e como a geração do gás carbônico durante a produção e reciclagem dos materiais será incorporada às atuais leis que buscam restringir o impacto ambiental dos veículos irá depender de estudos muito bem embasados e da habilidade política dos lobbies envolvidos.