Distorções dimensionais – Parte III: Distorções evitáveis

No artigo anterior, foram estudadas as causas externas ao tratamento térmico, que interferem nas distorções “evitáveis”.

Nesta sequência, consideraremos no presente artigo as causas internas ao tratamento térmico, que interferem na mesma componente da distorção total, as distorções evitáveis.

Entenda-se por causas internas os mecanismos intrínsecos ao tratamento térmico de têmpera, e que usualmente são sujeitas à ação direta do profissional de tratamento térmico.

Consideramos, para efeito deste texto, as seguintes causas de distorções dimensionais evitáveis, internas ao tratamento térmico de têmpera:

• Seleção do tipo de equipamento mais adequado às necessidades de projeto e produto;• Seleção do ciclo térmico mais adequado, objetivando atingir as propriedades mecânicas projetadas, conciliadas com a necessidade de evitar as distorções dimensionais;• Seleção do tipo de dispositivos de carga mais adequados para as peças, conciliado com o tipo de equipamento escolhido.

Tipos de equipamento para tratamento térmico de têmpera

O tipo de equipamento selecionado basicamente define a forma de dispositivação e carregamento das peças.

Considerando o processo de tempera dos aços, são necessidades básicas no equipamento: a) homogeneidade térmica do equipamento; b) controle da temperatura; c) controle do tempo de processo a cada etapa; d) controle da velocidade de resfriamento.

a) Homogeneidade térmica do equipamento

O equipamento usado para o tratamento térmico deve proporcionar a máxima homogeneidade térmica possível, de modo a aquecer/resfriar a peça em toda a sua superfície de maneira homogênea, sem gerar áreas mais quentes ou frias.

É claro que a geometria da peça também tem forte interferência nesse quesito, com áreas mais finas atingindo temperatura desejada mais rápido, ou resfriando com uma maior velocidade, mas o equipamento deve ser projetado de tal forma que interfira o mínimo possível.

Quando se fala em homogeneidade térmica do equipamento, está implícito que aqui se refere tanto à etapa de aquecimento como do resfriamento. Dessa forma, tratamentos que tem de ser conduzidos em mais de um equipamento, por exemplo, um para aquecer e outro para resfriar, são menos eficientes em termos de homogeneidade térmica do que aqueles no qual esta transferência não é necessária.

A literatura disponível traz diversas classificações para os equipamentos de tratamentos térmicos, particularmente para a têmpera dos aços, mas neste texto vamos limitar-nos aos aspectos de prevenção das distorções dimensionais. Nesse sentido, equipamentos que necessitam de transferência entre as etapas de aquecimento e resfriamento constituem um grupo em que a distorção dimensional é piorada, em relação àqueles que não necessitam de transferência, conduzindo as etapas de aquecimento e resfriamento na mesma câmara.

Equipamentos do tipo banho de sais fundidos, enquadram-se no grupo em que é necessária esta transferência (Fig. 1).

Nesse tipo de equipamento, as peças, após atingirem a temperatura necessária (em geral superior a 780°C), são transferidas para outro equipamento (outro sal de temperatura mais baixa, óleo ou salmoura ou até mesmo água) para o resfriamento.

Enquanto a peça está dentro do equipamento em aquecimento, não há movimento das peças, e portanto nada que interfira na distorção dimensional resultante, mas no momento em que há movimento, para a transferência, há grande risco de distorções dimensionais importantes.

Outro ponto que deve ser observado é que, além do movimento das peças de um forno para outro, há também o fato de que a parte inferior das peças resfriará antes da parte superior, introduzindo-se a heterogeneidade do resfriamento. Dependendo do tamanho da peça (comprimento) haverá considerável diferença de temperatura entre a primeira parte da peça que entrou no banho de resfriamento e a última. Essa diferença terá enorme efeito na distorção dimensional resultante (Fig. 3).

Qualquer outro tipo de equipamento que necessita transferência (fornos câmara, por exemplo) terá o mesmo efeito deletério sobre a distorção dimensional, devendo ser evitado.

Assim, peças para as quais a preocupação com distorções dimensionais é particularmente importante como, por exemplo, ferramentas, que devem ser tratadas, na medida do possível, em equipamentos que não necessitem de transferência, com as etapas de aquecimento e resfriamento conduzidas dentro da mesma câmara, sem movimentação da espécie alguma.

O equipamento mais utilizado, com estas características é o forno a vácuo. Modernamente, este tipo de equipamento tem resfriamento através de gases que são insuflados diretamente na câmara de aquecimento, não havendo necessidade de movimentação das peças. Nos modelos mais antigos, o resfriamento envolvia transferência para um tanque de óleo, isolado da câmara de aquecimento. Nesse caso havia transferência, igualando-se os riscos de distorções dimensionais com equipamentos convencionais.

No caso dos fornos a vácuo modernos, a carga é aquecida por resistências elétricas, em geral dispostas de forma a proporcionar aquecimento extremamente homogêneo, e o resfriamento é feito com gás sob pressão, em geral nitrogênio, mas há fornos que usam hélio ou argônio também.

Em termos construtivos (Fig. 4), esse tipo de equipamento permite uma circulação de gases intensa, através de potentes ventiladores. Os gases circulam por trocadores de calor, que resfriam e retornam para o circuito. Esta concepção permite que o resfriamento seja igualmente homogêneo, permitindo uma extração de calor controlada e igual em toda a superfície da peça, o que garante descontadas características geométricas, homogeneidade muito superior à dos equipamentos convencionais. Consequentemente, as distorções dimensionais são reduzidas.

b) Controle da temperatura

O equipamento deve permitir controle de temperatura, dentro de faixas bastante estreitas, a depender do tipo de serviço de tratamento térmico, de maneira a não permitir variações em diferentes partes do forno. alem de não permitir variações apreciáveis, o equipamento deve ter controles que não permitam temperaturas acima da faixa estabelecida, ao menos por longos períodos.

A respeito da ultrapassagem da temperatura ajustada, há que se considerar a questão da inércia térmica da peça. Quanto maior a peça, maior a sua massa, e, portanto maior o tempo que levará para homogeneização da temperatura entre a superfície e o núcleo. Em termos práticos, isso significa um tempo muito longo para atingir um dado patamar de temperatura e tempos longos devem ser evitados, principalmente devido à seu impacto nos custos do tratamento térmico.

Assim, o forno é programado para gerar uma potência tal que a temperatura ultrapassa por curto período de tempo o valor de patamar ajustado, de modo a ganhar tempo no aquecimento (Fig. 5).

A Fig. 5 simula duas situações de programação de forno no aquecimento, possíveis:

(a): nessa situação, a taxa de aquecimento é programada para que ultrapasse levemente o patamar desejado (“overshoot”);

(b): nessa situação, o programa reduz a taxa de aquecimento antes da chegada da temperatura ao patamar desejado, de modo a atingi-lo mais lentamente.

Nota-se pela figura que o tempo para atingir a temperatura de patamar no caso a é significativamente menor que no caso b.

A Fig. 6 ilustra um caso real, em que o “overshooting” foi ajustado para o ultimo patamar de aquecimento.

Importante notar que a ultrapassagem da temperatura é realmente muito pequena, sendo projetada de forma a não interferir na qualidade final da peça.

De um modo geral, essa ultrapassagem não interfere na qualidade do produto, pois encontra-se sempre dentro da faixa admissível de variação, mas para normas mais rigorosas, isso não é permitido, voltando-se para a situação (b) da Fig. 5.

Apesar desta situação, “overshooting” não afetar diretamente a questão da distorção dimensional, ela é útil para demonstrar a importância de termos um equipamento que permita controle muito acurado da temperatura do forno.

Outro ponto importante a considerar é a diferença de temperaturas entre superfície (s) e núcleo (n), da peça.

A questão torna-se mais importante na medida em que a peça fica maior, havendo grande inércia térmica associada.

Para o sucesso do tratamento térmico, em termos microestruturais, é importante que o núcleo da peça atinja a temperatura desejada, mas sem que a superfície fique submetida à altas temperaturas por tem excessivo, para evitar, por exemplo, crescimento de grão, que poderá influenciar nas propriedades mecânicas após tratamento térmico.

Assim, torna-se importante termos um equipamento que permita controlar a diferença de temperatura entre superfície e núcleo, a ponto de, se não for possível uma uniformidade 100% em toda a extensão da peça, ao menos o mais próximo possível desse objetivo. Garantir que o núcleo da peça chegou muito próximo da temperatura desejada é o principal objetivo.

A Fig. 7 ilustra uma maneira de controle bastante simples, no qual utilizam-se dois termopares, um deles ligado ao núcleo da peça, e outro à superfície. Ambos são conectados ao controlador do forno, de maneira que a etapa seguinte do tratamento, por exemplo, o resfriamento, só seja acionado após a diferença entre superfície e núcleo ser a menor possível.

Importante notar que os termopares (chamados no jargão do tratamento térmico de “de arraste”), são colocados em furos de aproximadamente 5,0 mm de diâmetro, na superfície à uma profundidade de 5,0 mm, e para o de núcleo, indo até o centro da peça.

Em muitas situações não é possível fazerem-se furos na peça, principalmente no caso do núcleo. Nessa situação, o controle pode ser feito através de corpos de prova de tamanho adequado (Fig. 8).

Independentemente da maneira como é feito o controle, torna-se claro que ele é absolutamente indispensável, e o equipamento escolhido deve permitir a colocação de um número mínimo de termopares para controle do processo. Além disso, o equipamento também deve ter sua uniformidade de temperatura avaliada periodicamente, e isso é feito através de um conjunto maior de termopares, dispostos em toda a extensão da câmara de aquecimento, de modo a possibilitar a medição da temperatura em função do tempo para a maior quantidade de pontos do forno possível.

No caso da indústria de óleo e gás, a norma API – American Petroleum Institute – exige a instalação de no mínimo oito termopares de arraste para a avaliação da uniformidade do equipamento. Já no caso das normas aeroespaciais, em geral mais rigorosas, a exigência atinge doze diferentes pontos.

Para atender a este tipo de requisito, banhos de sais fundidos não são os mais adequados, uma vez que não permitem a instalação sequer de um único termopar na peça. Isso senão não por uma impossibilidade física, mas puramente econômica.

Caso um termopar de arraste seja colocado na peça, no caso de banhos de sais fundidos, ele terá de ser levado até um medidor/coletor de dados, que, obviamente não poderá ser instalado dentro do equipamento. Ficando fora, necessariamente haverá uma região do termopar de arraste que ficará exatamente na interface entre a superfície do banho de sal e a atmosfera externa. Nessa região, devido principalmente è evolução de oxigênio, haverá sério dano ao próprio termopar de arraste (chegando a cortá-lo), impossibilitando seu uso ao menos pelo tempo necessário para acompanhamento de um tratamento térmico. Claro que é sempre possível a instalação de tubos de inconel ou outra superliga, de modo a proteger o termopar nessa região, mas isso pode ter custos elevados, além da dificuldade de manusear o termopar dentro do banho, aumentando os riscos de segurança.

Já no caso de fornos câmara, em geral o projeto destes fornos não prevê saídas para os termopares, obrigando a improvisações, uma vez que os termopares terão de sair da câmara quente, para serem ligados ao equipamento de coleta de dados. Novamente, dificuldades de natureza prática se impõem, mas em algumas situações é possível o seu controle.

Os fornos mais adequados para este tipo de controle são aqueles cujo projeto já prevê a instalação de diversos termopares de arraste, contendo juntas/flanges, através dos quais os termopares são levados para o controlador do forno.

c) Controle do tempo de processo

Da mesma forma que a temperatura, o tempo de processo deve ser controlado a cada etapa do tratamento térmico, de maneira a podermos controlar a velocidade com que as reações metalúrgicas e térmicas ocorrem.

Num processo como a tempera do aço, a fase de aquecimento pode contribuir para aumentar as distorções dimensionais na medida em que, durante esta fase, ocorre a dilatação do aço, e também a transformação metalúrgica conhecida como austenitização, no qual a microestrutura original, constituída de ferrita e perlita na sua maior parte, transforma-se em austenita.

O tempo de processo, a priori, não deve ser nem tão longo que possa causar algum dano à peça e/ou sua microestrutura (por exemplo, crescimento de grão), nem tão curto que não permita que a temperatura atinja uniformemente a extensão possível da peça.

Nessa situação, há uma dependência direta entre a possibilidade de colocação de termopares de arraste e o controle do tempo do processo, uma vez que é através da medida da temperatura que poderemos medir o tempo.

Em geral, quando não há possibilidade de colocação de termopares de arraste, os profissionais de tratamentos térmicos usam um modelo simples, com uma regra relacionando a dimensão da peça ao tempo: 1,0 hora/polegada de espessura ou 3,0 minutos/mm de espessura.

A aplicação desta regra torna-se algo complicada quando a geometria da peça é complexa, alternando regiões finas com regiões mais espessas. Nesse caso, em geral optava-se pela média aproximada, a depender, principalmente da experiência do profissional de tratamento térmico.

Principalmente nos casos de aços ferramenta, os quais envolvem temperaturas substancialmente elevadas (de até 1200°C), o situação torna-se complicada, considerando que, nestes casos, há uma grande sensibilidade do aço à tempos excessivos, levando, frequentemente, à falhas devido a, por exemplo crescimento de grão.

Assim, equipamentos que permitam a colocação de termopares de arraste tornam-se mais e mais imprescindíveis. via de regra, tais equipamentos também tem controladores (PLC) que permitem controlar todas as etapas do tratamento, através da medida da temperatura de cada ponto da peça. Claro que a presença do profissional experiente de tratamento térmico ainda é indispensável, ao menos para estabelecer as diferenças entre superfície e núcleo aceitáveis, ponto a ponto da peça, mas há uma considerável redução no grau de subjetividade, em relação à situação anterior, sem os termopares de arraste.

d) Controle da velocidade de resfriamento

Para cada tipo de aço, há uma velocidade mínima de resfriamento, acima da qual não é possível uma transformação homogênea da microestrutura, e, consequentemente, falhas nas propriedades mecânicas objetivas.

Por exemplo, o NADCA (North American Die Casting Association) estabelece uma taxa de resfriamento mínima para a têmpera do aço AISI H13 premium, largamente utilizado para fabricação de moldes de injeção de alumínio. Esta velocidade mínima é de 28°C/min (Nadca #207-97 – 1997).

Assim, se em muitas situações a velocidade mínima já é algo pré estabelecido, o mesmo não se pode dizer de uma velocidade máxima.

A velocidade máxima poderia ser definida como aquela velocidade de resfriamento acima da qual as distorções dimensionais ficam acima de uma dada necessidade (por exemplo, sobremetal previsto), causando danos algumas vezes irreparáveis.

Assim, para o profissional de tratamento térmico, o ideal é sempre trabalhar dentro da velocidade mínima, de maneira a prevenir surgimento de distorções dimensionais muito acima do tolerável.

Os equipamentos que permitem controlar a taxa de resfriamento, seja de maneira fixa (um valor aproximadamente igual, através do uso da mesma mídia de resfriamento, com os mesmos parâmetros como agitação e/ou aditivos – caso dos óleos e polímeros), ou, na melhor situação, equipamentos que permitam termopares de arraste também na etapa de resfriamento.

Fica claro que esta última situação não pode ser aplicada em equipamentos que tem transferência, por motivos físicos (a dificuldade de carregar também os termopares e transferí-los, sem, no entanto danificá-los ou mesmo tirá-los da posição inicial seria enorme, sem garantias de reprodutividade).

Assim, nesses equipamentos (fornos câmara, banhos de sais fundidos, fornos Seal Quench (SQ) com resfriamento em óleo, fornos contínuos e qualquer outro que envolva movimentação da carga para resfriamento), o ideal é que seja permitida a fixação da taxa de resfriamento, através de controles periódicos (Fig.9).

No aparato da Fig. 9, um corpo metálico de massa conhecida, acoplado à um termopar de arraste é introduzido no meio de austenitização por um tempo pré-determinado, que permita homogeneização da temperatura. Uma vez homogeneizado, ele é rapidamente mergulhado no meio de resfriamento que se deseja medir (banho de sal de resfriamento, por exemplo), e mede-se o tempo até que o medidor de temperatura atinja temperatura da ordem de 500°C. feito isso basta dividir a diferença de temperatura pelo tempo decorrido, e teremos a taxa de resfriamento do meio.

Essa era uma técnica largamente utilizada para tratamentos térmicos em banhos de sais fundidos.

Meios de resfriamento do tipo óleos, largamente utilizados no tratamento térmico de aços carbono, em conjunto com forno do tipo SQ, por exemplo, podem ter sua taxa de resfriamento avaliada periodicamente, através da análise do óleo utilizado.

Resumo

Em resumo, no que se refere ao tipo de equipamento mais adequado para um tratamento térmico, o ideal é podermos selecionar um no qual a movimentação da carga durante todas as etapas do tratamento seja inexistente. Nessa situação, forno a vácuo são os ideais, por permitirem todos os controles acima descritos, com eficiência e exatidão.

Entretanto, para os casos em que essa prática não é possível, e seja necessária a movimentação no mínimo em uma das etapas, deve-se recorrer a artifícios de modo a ter sob controle ao menos parte das variáveis tempo e temperatura.

Seleção do ciclo térmico

Entenda-se por ciclo térmico, todo o ciclo que engloba aquecimento/resfriamento da peça durante o processo de têmpera.

De um modo geral, a literatura traz vasta informação sobre as temperaturas de austenitização mais adequadas para cada tipo de aço, mas é omissa no que se refere à taxa de aquecimento, patamares de pré-aquecimento, tempo necessário para o patamar de tratamento, velocidade de resfriamento e eventuais patamares durante o resfriamento. Todas as etapas citadas são parte integrante do ciclo térmico, e devem fazer parte das preocupações do profissional de tratamentos térmicos, para, entre muitas outras razões, prevenir as distorções dimensionais.

Uma vez fixado o tipo de aço com o qual vai ser confeccionada a peça, está fixada a temperatura de austenitização, em geral definida pelo fabricante do aço, em função principalmente da composição química, ajustada também à aplicação à que se destina o aço.

Cabe então ao projetista, e/ou ao profissional de tratamento térmico, projetar as demais etapas do tratamento.

Tensões residuais

A fase de aquecimento não tem a mesma influência da fase de resfriamento no que se refere à distorções dimensionais, mas na medida em que ocorrem transformações metalúrgicas e também dilatação térmica, há necessariamente o acúmulo de tensões residuais, que podem contribuir para a distorção dimensional líquida ao final do processo.

Quanto mais rápido o aquecimento, maior a quantidade de tensões residuais que vão se acumular no aço. Até temperaturas da ordem de 720°C (quando começa a transformação metalúrgica), ocorre a expansão térmica linear (dl/l). O ideal é que este fenômeno físico ocorra à menor velocidade possível, de forma ao material “acomodar” as tensões residuais.

A Fig. 10 a seguir ilustra a expansão do material durante o aquecimento, e também a sua contração durante o resfriamento.

Durante o aquecimento a expansão é linear até aproximadamente a temperatura de 740°C, quando ocorre uma inflexão. Esta inflexão é devido a transformação metalúrgica da microestrutura ferrita/perlita inicial para austenita. Igualmente temos outra inflexão similar durante o resfriamento, na temperatura aproximada de 350°C, devido à transformação martensítica.

Os efeitos destas transformações de natureza microestrutural serão mais estudados no próximo artigo.

Independente das causas, nota-se uma distorção líquida após terminado o tratamento, uma vez que o ponto de partida não coincide com o ponto de chegada. Pode-se inferir do gráfico que a distorção líquida resultante é de expansão, da ordem de 2,0 µm/m.k.

Como já dito, mais detalhes sobre os fenômenos metalúrgicos envolvidos serão discutidos em capítulo posterior, mas fica claro que tais variações nas dimensões das peças causam tensões residuais, que serão as causas das distorções dimensionais.

As tensões residuais resultantes são agravadas pelas diferenças de temperaturas entre superfície e núcleo que podem atingir valores da ordem de 550°C num dado momento do resfriamento (CP de 100 mm de diâmetro). Tal variação de temperatura resulta tensões residuais da ordem de 1200 mpa, em função da contração estimada em 0,6% em volume[2].

No sentido de reduzir a um mínimo os valores de tensões residuais, o ciclo térmico deve ser projetado de forma a reduzir a um mínimo as velocidades, tanto de aquecimento, como de resfriamento, sem no entanto comprometer os compromissos de custos e propriedades mecânicas resultantes.

Mais uma vez, o equipamento interfere diretamente nestes resultados, uma vez que, havendo a possibilidade de instalação de termopares de arraste, fica muito mais simples e viável o controle das velocidades de resfriamento/aquecimento, dentro de valores compatíveis com as necessidades de projeto e custo.

No caso particular de fornos a vácuo, o fato destes equipamentos possibilitarem a colocação de dois termopares de arraste, um para o núcleo das peças e outro para a superfície, contribui fortemente para a redução das distorções dimensionais líquidas do processo, pois permite aproximar as temperaturas s/n reduzindo as distorções resultantes das tensões residuais originadas por essas diferenças.

A etapa de resfriamento é a mais crítica em termos de distorções dimensionais de têmpera. Nessa fase é que ocorre a transformação martensítica, que responde sozinha por algo em torno de 4,3% de expansão em volume (aços carbono), que, considerado o aço isotrópico, gera aproximadamente 1,5% linear em cada direção do espaço.

Nessas condições, controlar a velocidade do resfriamento é vital, uma vez que, quanto maior a severidade de têmpera, vale dizer, a velocidade de resfriamento, maior será a intensidade das distorções dimensionais resultantes.

A Tabela 1 indica os valores relativos de severidade de tempera, de alguns meios, com agitação variável.

Fornos a vácuo modernos, em sua maior parte usando N2 como gás de resfriamento, em geral tem o fator h situado entre [óleo ou sal] e [ar], o que limita o uso deste tipo de equipamento aos aços ferramenta ou temperabilidade superior.

Sempre tendo em mente que, quanto maior o fator h, maior é a chance de ocorrerem distorções dimensionais acima da expectativa, o projetista/profissional de tratamentos térmicos deve ajustar a circulação/agitação para as necessidades da peça, lembrando aqui que os qualificativos de circulação/agitação da tabela, tem uma componente subjetiva, dependente a experiência destes profissionais.

Dispositivação – A escolha da forma mais adequada de montagem de carga

A Fig. 11 ilustra duas formas de montagem de carga para peças que vão ser temperadas em forno a vácuo.

Qual das duas é a correta em termos de prevenção de distorções dimensionais?

Nos fornos a vácuo, há que se considerar qual o sentido em que o fluxo de gases se movimenta durante o resfriamento. Considerando a construção do tipo de forno em questão, verifica-se que o movimento é longitudinal, no sentido do comprimento do dispositivo de carga (Fig. 11a).

Considerando que a melhor disposição das peças é aquela em que o fluxo de gases é o mais livre possível e que ocorre de forma a envolver toda a peça homogeneamente, conclui-se que a melhor forma é a da Fig. 11a, com as peças em pé, e dispostas no sentido longitudinal, exatamente seguindo a direção do fluxo de gás de resfriamento.

Outra questão que também depõe contra a outra opção (eventualmente mais simples do ponto de vista de trabalho do operador do forno), é que a própria grelha (dispositivo) também sofre distorções durante o tratamento térmico, uma vez que ela é feita de aço (refratário) e, portanto, sujeita às mesmas solicitações de expansão/contração. Assim se dispusermos as peças apoiando-as inteiramente sobre a grelha, há risco da distorção da grelha se propagar pela peça (ela vai acompanhar a movimentação da grelha), intensificando a distorção dimensional líquida.

Evidentemente este tipo de análise de carregamento só pode ser feita em equipamentos que tenham certa versatilidade em termos de dispositivação.

No caso, por exemplo, de banhos de sais fundidos, as opções são extremamente limitadas, pois as peças ao serem na maior parte das vezes carregadas penduradas em arames, não apresentam muitas alternativas (Fig. 12).

Conclusão

Esta componente das distorções dimensionais líquidas no tratamento térmico de tempera, que aqui denominamos causas internas das distorções evitáveis é a que tem a maior interferência do profissional de tratamento térmico/projetista, uma vez que em praticamente todas elas, guardadas as limitações dos equipamentos disponíveis, é dele a decisão pelas opções que se apresentam.

Dessa forma, é de vital importância contar com profissionais de larga experiência, além de bom conhecimento técnico, pois muitas das situações que se apresentam não constam em manuais e/ou guias de procedimentos.

Referências

1. Metals Handbook vol. 4, Heat Treating2. G.E. Dieter, Engineering Design, McGraw-Hill, 19823. Yoshida, Shun, Distorções Dimensionais no Tratamento Térmico dos Aços Ferramenta, curso de Tratamentos Térmicos Bodycote Brasimet, 2006.

Para mais informações, contate Shun Yoshida pelo tel. (11) 2755-7200 ou pelo email shun.yoshida@bodycote.com.