Efeito de tratamentos termomecânicos na microestrutura de ligas biomédicas de Ti-15Zr-Mo

O efeito de diferentes tratamentos termomecânicos na estrutura, microestrutura, e em algumas propriedades mecânicas de ligas de Ti-15Zr-Mo foi analisado. Os resultados indicaram que os mesmos foram efetivos para alterar a estrutura destas ligas

O titânio e suas ligas apresentam propriedades favoráveis para aplicações aeroespaciais, aeronáuticas, automobilísticas, químicas e biomédicas, como elevada razão resistência mecânica/densidade, módulo de elasticidade relativamente baixo, excelente resistência à corrosão e ao desgaste, além de comprovada biocompatibilidade e osseointegração [1,2].

O titânio é um elemento alotrópico, que apresenta uma mudança de estrutura cristalina de hexagonal compacta (fase a) para cúbica de corpo centrado (fase ß) em torno de 883ºC [2,3]. A adição de elementos de liga pode afetar a temperatura ß-transus e início da transformação martensítica, podendo facilitar a formação de fases metaestáveis ou reter a fase ß em temperatura ambiente [4,5]. As ligas de titânio podem ser classificadas de acordo com a fração de fases a e ß na microestrutura, podendo ser do tipo a, a+ß e ß (metaestável ou estável) [3,5].

As propriedades mecânicas do titânio são fortemente influenciadas pela sua microestrutura, em virtude das diferenças nos planos de deslizamento e empacotamento atômico da estrutura hexagonal compacta e cúbica de corpo centrado [6,7]. Tratamentos mecânicos e térmicos podem ser efetivos para modificar a microestrutura por meio de deformação mecânica ou indução da formação de precipitados ou fases metaestáveis [8,9].

Atualmente, o desenvolvimento de novas ligas biomédicas de titânio tem focado na formação de ligas tipo ß por apresentarem menor módulo de elasticidade, prevenindo, assim, problemas de remodelação óssea (“stress shielding”). Além disso, tem sido preferível a formação de ligas sem a presença de alumínio e vanádio, com a adição de elementos não tóxicos, como o molibdênio, tântalo, nióbio e zircônio [2,9].

Neste trabalho, o efeito de diferentes tratamentos termomecânicos na estrutura, microestrutura, e em algumas propriedades mecânicas (dureza e módulo de elasticidade) de ligas de Ti-15Zr-Mo foi analisado.

Materiais e Métodos

As ligas Ti-15Zr-xMo (x = 5, 10 e 15 %p) foram produzidas por fusão a arco voltaico, com atmosfera inerte de argônio, eletrodo não consumível de tungstênio e cadinho de cobre refrigerado com água, a partir de metais comercialmente puros. Estas composições correspondem a ligas do tipo a+ß, ß metaestável e ß estável. As ligas foram submetidas a um processo de laminação a quente a 1000ºC, com resfriamento lento ao ar. Em seguida, foi realizado um tratamento térmico de homogeneização, em vácuo de 10-5 Torr, patamar de temperatura de 1000ºC, durante 24 horas e resfriamento lento de 5ºC/min. Posteriormente, foi realizado um tratamento solubilização, em vácuo de 10-6 Torr, patamar de 850ºC por 2 horas e resfriamento rápido com água. Por fim, foi realizado um tratamento envelhecimento, em vácuo de 10-6 Torr, a 425ºC durante 12 horas, e resfriamento rápido com água. Detalhes da caracterização química das ligas podem ser obtidos em Correa, Kuroda e Grandini [10].

A caracterização estrutural e microestrutural foi realizada por medidas de difração de raios X e microscopia óptica. Os difratogramas foram obtidos pelo método do pó, em um equipamento Rigaku D/Max 2100/PC, com corrente de 20 mA e potencial de 40 kV. As medidas foram realizadas no modo de tempo fixo, no intervalo de 10º a 100º, passo de 0,02º e tempo de coleta de 3,2 s. As micrografias ópticas foram obtidas em um microscópio Olympus BX51M, conectado a um microcomputador. Após preparação metalográfica padrão, as ligas sofreram ataque químico com solução de H2O, HNO3 e HF, na proporção de 80:15:5.

As propriedades mecânicas das ligas foram analisadas por medidas de microdureza Vickers e módulo de elasticidade. As medidas de microdureza foram realizadas em um equipamento Shimadzu HMV-2, com carga de 0,200 kgf e tempo de 60 s. O módulo de elasticidade foi obtido pela técnica de excitação por impulso em uma amostra com formato retangular de aproximadamente 1,00 mm de espessura. As propriedades mecânicas analisadas foram comparadas com o Ti-cp (grau 2) utilizado como referência.

Resultados e Discussão

A Fig.1 mostra os difratogramas de raios X das ligas em função dos tratamentos termomecânicos, que indicam diferentes variações na fração de fases das ligas com os tratamentos termomecânicos. A liga bifásica Ti-15Zr-5Mo apresentou picos correspondentes às fases a” e ß, sendo sua fração sensível aos tratamentos termomecânicos. Após a laminação a quente e solubilização, foi retida uma maior fração de fase ß, enquanto maior quantidade de fase a” foi retida após o processo de homogeneização.

O envelhecimento resultou na presença de picos de fase a juntamente à ß. A liga metaestável Ti-15Zr-10Mo apresentou um padrão de difração predominantemente ß após laminação, sendo retida uma significante quantidade de fase a” após a homogeneização. O tratamento de solubilização recuperou a formação predominante de fase ß.

O envelhecimento possibilitou a retenção de uma significativa fração de fase a na liga. A liga tipo ß estável Ti-15Zr-15Mo não apresentou mudanças significativas nos padrões de difração, uma vez que a temperatura ß-transus se encontra abaixo da temperatura ambiente, não sendo possível induzir qualquer transformação de fase durante os tratamentos termomecânicos [6,9].

O processo de laminação a quente produziu diversas deformações mecânicas nas ligas, o que pode induzir mudanças de fase por deformação, além disso, sendo o processo finalizado com resfriamento ao ar, também pode acarretar em formação de fases fora do equilíbrio [6,11]. O processo de homogeneização foi realizado com o propósito de eliminar as tensões residuais do processo de conformação mecânica e recristalizar a microestrutura, sendo que o resfriamento lento foi realizado com o intuito de evitar a formação de fases metaestáveis [11,12].

O processo de solubilização foi realizado objetivando melhorar a resistência mecânica do material, sendo o resfriamento rápido com água capaz de reter fases metaestáveis ao longo da microestrutura [4,13]. A formação de fases metaestáveis depende também do teor de elementos de liga, que podem diminuir a temperatura ß-transus gradativamente, como pode ser observado pelos difratogramas de raios X, mostrados na Fig.1 [2,14].

A Fig.2 apresenta as micrografias ópticas das ligas em função dos tratamentos termomecânicos. As ligas apresentaram algumas mudanças microestruturais de acordo com os tratamentos termomecânicos e o teor de elementos de liga.

A liga Ti-15Zr-5Mo apresentou estruturas aciculares finas típicas da martensita a” juntamente a contornos de grãos da fase ß. A forma e tamanho destas estruturas foram influenciadas pela deformação mecânica e tratamento térmico [6,10]. Após laminação a quente, a microestrutura apresentou grãos em formatos irregulares e estruturas aciculares finas, contudo, o tratamento de homogeneização resultou em um aumento das estruturas aciculares e dos contornos de grãos [2,10].

O tratamento de solubilização acarretou em um aumento dos tamanhos dos grãos e diminuição das estruturas aciculares, devido ao resfriamento rápido do processo.

O envelhecimento resultou na formação de algumas placas grosseiras, que podem ser relacionadas com a precipitação de fase a[4,10]. A liga Ti-15Zr-10Mo apresentou apenas formação de grãos da fase ß em forma irregular após laminação a quente, contudo, pequenos precipitados de fase a” puderam ser observados ao longo da região intragranular após homogeneização [10,15]. Após o tratamento de solubilização, foi possível observar a presença de estruturas aciculares de fase a” em maiores quantidades no interior dos grãos. O envelhecimento possibilitou a precipitação de fase a ao longo dos contornos de grão e em algumas regiões intergranulares [6,10]. A liga Ti-15Zr-15Mo apresentou somente a formação de grãos equiaxiais de fase ß, mudando apenas a forma e tamanho conforme os tratamentos termomecânicos, com exceção para a condição após envelhecimento, que apresentou mudanças significativas devido à formação de fase a [9,10]. Os resultados corroboraram os difratogramas de raios X apresentados na Fig.1.

Um comparativo dos valores de dureza e módulo de elasticidade das ligas em função dos tratamentos termomecânicos é apresentado na Fig.3.

Os tratamentos termomecânicos foram efetivos para alterar as propriedades mecânicas das ligas. A dureza de todas as ligas apresentaram valores acima do Ti-cp (187 ± 5 HV), devido ao endurecimento por solução sólida [2,10]. Contudo, pode-se observar que as ligas homogeneizadas apresentaram menores valores de dureza em relação às laminadas, devido à eliminação das tensões residuais e precipitação da fase a” [6,10].

Os tratamentos térmicos de solubilização apresentaram uma leve tendência de aumentar a dureza das ligas, devido às fases metaestáveis retidas durante o resfriamento rápido, enquanto o envelhecimento diminuiu os valores de dureza, em virtude da precipitação de fase a [3,10]. O módulo de elasticidade das ligas também apresentou valores abaixo do Ti-cp (109 ± 3 GPa), devido à estabilização de fase ß na microestrutura pela adição dos elementos de liga [10,16]. O tratamento de homogeneização apresentou uma tendência de aumento do módulo de elasticidade, em virtude da eliminação da orientação preferencial da laminação [10,17]. O tratamento de solubilização diminuiu levemente o módulo de elasticidade das ligas, em virtude da maior fração de fase ß retida nas ligas bifásica e metaestável com o resfriamento rápido. O envelhecimento resultou em um leve aumento do módulo de elasticidade, devido à precipitação de fase a, que apresenta maior valor de módulo de elasticidade que a fase ß [15,17].

Conclusões

Os resultados indicaram que os tratamentos termomecânicos foram efetivos para alterar a estrutura, microestrutura e algumas propriedades mecânicas das ligas do sistema Ti-15Zr-Mo do tipo a+ß e ß metaestável. O controle da microestrutura, por meio destes tratamentos, pode ser uma ferramenta interessante para a otimização das propriedades mecânicas destas ligas visando sua utilização na área biomédica.

Agradecimentos

Os autores agradecem à FAPESP, CNPq e FUNDUNESP pelo suporte financeiro e à Profa. Dra. Marília Afonso Rabelo Buzalaf, da USP, Faculdade de Odontologia de Bauru, pelas facilidades nas medidas de microdureza.

O artigo apresentado foi vencedor do Prêmio Revista Industrial Heating Brasil, oferecido na VII Conferência Brasileira sobre Temas de Tratamento Térmico – TTT 2014.

Para mais informações: Diego Rafael Nespeque Correa, bolsista de Doutorado Direto da FAPESP, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP – Bauru (SP), e-mail: diegornc@fc.unesp.brmethivac.com.

[our_team image=”” title=”Referências” subtitle=”” email=”” phone=”” facebook=”” twitter=”” linkedin=”” vcard=”” blockquote=”” style=”vertical” link=”” target=”” animate=””] [/our_team]

[1] BANERJEE, D.; WILLIAMS, J. C. Perspectives on titanium science and technology. Acta Materialia, v. 61, p. 844-879, 2013.
[2] DONATO, T. A. G. et al. Cytotoxicity study of some Ti alloys used as biomaterial. Materials Science and Engineering C, v. 29, n. 4, p. 1365-1369, 2009.
[3] LÜTJERING, G.; WILLIAMS, J. C. Titanium: engineering materials and processes. New York: Springer, 2003.
[4] LEYENS, C.; PETERS, M. Titanium and titanium alloys: fundamentals and applications. New York: Wiley-VHC, 2003.
[5] DONACHIE, M. J. Titanium: a technical guide. Ohio: ASM International, 1988.
[6] LÜTJERING, G. Influence of processing on microstructure and mechanical properties of titanium alloys. Materials Science and Engineering A, v. 243, p. 32-45, 1998.
[7] ALMEIDA, L. H.; GRANDINI, C. R.; CARAM, R. Anelastic spectroscopy in a Ti alloy used as biomaterial. Materials Science and Engineering A, v. 521-522, p. 59-62, 2009.
[8] MARTINS JÚNIOR, J. R. S. et al. Influence of oxygen content and microstructure on the mechanical properties and biocompatibility of Ti-15wt%Mo alloy used for biomedical applications. Materials, v. 7, p. 232-243, 2014.
[9] NIEMEYER, T. C. et al. Corrosion behavior of Ti-13Nb-13Zr alloy used as a biomaterial. Journal of Alloys and Compounds, v. 476, n. 1-2, p. 172-175, 2009.
[10] CORREA, D. R. N.; KURODA, P. A. B.; GRANDINI, C. R. Structure, microstructure and selected mechanical properties of Ti-Zr-Mo alloys for biomedical applications. Advanced Materials Research, v. 922, p. 75-80, 2014.
[11] MARTINS JUNIOR, et al. Preparation and characterization of Ti-15Mo alloys used as biomaterial. Materials Research, v. 14, n. 1, p. 107-112, 2011.
[12] SILVA, L. M. et al. Influence of heat treatment and oxygen doping on the mechanical properties and biocompatibility of titanium-niobium binary alloys. Artificial Organs, v. 35, n. 5, p. 516-521, 2011.
[13] VICENTE, F. B. et al. The influence of small quantities of oxygen in the structure, microstructure, hardness, elasticity modulus and cytocompatibility of Ti-Zr alloys for dental applications. Materials, n. 7, p. 542-553, 2014.
[14] CORREA, D. R. N. et al. The effect of the solute on the structure, selected mechanical properties, and biocompatibility of Ti-Zr system alloys for dental applications. Materials Science and Engineering C, v. 34, p. 354-359, 2014.
[15] CARDOSO, F. F. et al. Ti-Mo alloys employed as biomaterials: effects of composition and aging heat treatment on microstructure and mechanical behaviour. Journal of Mechanical Behaviour of Biomedical Materials, v. 32, p. 31-38, 2014.
[16] NIINOMI, M.; NAKAI, M.; HIEDA, J. Development of new metallic alloys for biomedical applications. Acta Biomaterialia, v. 8, p. 3888-3903, 2012.
[17] MARTINS JUNIOR, J. R. S.; GRANDINI, C. R. Structural characterization of Ti-15Mo alloy used as biomaterial by Rietveld method. Journal of Applied Physics, v. 111, 9 p., 2012.