Após um período de exuberância nos primeiros anos do novo milênio, promovido pelas maciças importações que a China fazia para sustentar seu crescimento, a siderurgia mundial entrou numa crise crônica após o crack de 2008. Surgiu então a tempestade perfeita: à prolongada recessão mundial se juntou a conclusão do amplo programa de expansão da capacidade siderúrgica chinesa, ao mesmo tempo em que o crescimento do país arrefecia. Isso transformou a China num agressivo exportador de aço, invertendo completamente seu papel no mercado siderúrgico mundial.
A superoferta derrubou o preço dos produtos siderúrgicos, colocando em apuros as usinas menos eficientes, especialmente na Europa. Curiosamente, um dos países mais afetados por essa tendência foi a Grã-Bretanha, justamente o berço da siderurgia moderna. As usinas inglesas perderam pujança após a II Guerra Mundial, sendo transformadas num conglomerado que foi sucessivamente estatizado, privatizado, unido com a siderúrgica holandesa Hoogovens e, finalmente, incorporado pela Tata Steel – um evento com grande significado histórico, já que esta é a principal siderúrgica da Índia, a principal ex-colônia inglesa. Ainda assim, o declínio continuou, pois a Tata decidiu desativar uma das principais usinas inglesas, localizada em Teeside, em função de sua inviabilidade econômica. A planta conseguiu alguma sobrevida ao ser adquirida pela siderúrgica tailandesa SSI mas, com a falência desta empresa, ocorrida há alguns meses atrás, seu destino parece estar selado.
Nada é tão ruim que não possa piorar ainda mais, e a mais nova ameaça à siderurgia do Velho Mundo vem agora do imposto ambiental que a Comunidade Europeia irá cobrar pelas emissões de gás carbônico, visando a combater o efeito estufa. No caso das usinas inglesas, isso significará um acréscimo de 30 libras esterlinas (algo em torno de 47 dólares) por tonelada de aço produzida em 2030, quando a legislação estiver plenamente em vigor, o que poderá ser a sentença de morte para a siderurgia inglesa.
Uma fração significativa das emissões de gás carbônico na siderurgia ocorre durante a transformação do minério em ferro metálico. O minério de ferro é um óxido e a extração do metal requer a separação entre o oxigênio e o ferro. A forma mais viável de se fazer isso consiste em aquecer o minério sob altas temperaturas na presença do carbono, o qual “rouba” o oxigênio do ferro. Disso resulta o gusa líquido, uma liga metálica ferro-carbono, e monóxido de carbono gasoso, que geralmente é reaproveitado como combustível, sendo finalmente transformado em gás carbônico. Além disso, há outras fontes secundárias desse gás, como o refino do gusa nos conversores LD e o uso de combustíveis à base de carbono para reaquecimento de semiprodutos para a laminação a quente, tratamento térmico, etc. Estima-se que 50% do carbono usado na siderurgia se transforme em emissões de gás carbônico.
Há algumas alternativas para se amenizar esse quadro. Uma delas consiste na substituição do carbono pelo hidrogênio na redução do minério de ferro, mas essa alternativa ainda não consegue competir com o processo convencional. Outra consiste na reciclagem da sucata de aço usando fornos elétricos, suprimindo as operações de redução do minério e as correspondentes emissões de gás carbônico. Também é possível suprimir as emissões decorrentes da fusão da carga metálica se a eletricidade usada no forno não for gerada em termelétricas. Mas não é possível produzir todo o aço consumido no mundo dessa forma. Em primeiro lugar, não haveria sucata em quantidade suficiente para atender à demanda. Além disso, as sucessivas reciclagens do aço, sem diluição com ferro primário, acabam elevando os teores de elementos residuais prejudiciais à sua qualidade, tais como arsênico, zinco, estanho, antimônio e cobre.
Já que as emissões de gás carbônico são inevitáveis, a solução é conviver com elas. A indústria do plástico já começou a encarar esse problema, pesquisando rotas de síntese de seus monômeros a partir do gás carbônico. Trata-se de uma tarefa ingrata, já que o CO2 é extremamente estável do ponto de vista químico, requerendo quantidades substanciais de energia para que possa ser usado como reagente. Mas esse problema pode ser resolvido – por exemplo, usando-se as sobras de eletricidade gerada em usinas eólicas nos momentos em que há muito vento, mas pouca demanda de energia. É o que vem propondo o projeto CO2RRECT, que vem sendo desenvolvido há alguns anos na Alemanha por um consórcio constituído pela Covestro (antiga Bayer MaterialScience), Siemens e RWE Power.
Na área siderúrgica pode-se citar um projeto que vem sendo desenvolvido pela LanzaTech e Primetals Technologies, o qual tem como objetivo transformar o gás carbônico gerado nas siderúrgicas em etanol e outros insumos orgânicos por um processo de fermentação promovido por micro-organismos. Parece o mundo perfeito: a mesma usina que produz o aço usado em automóveis sintetiza o combustível para movê-los! Além disso, o álcool também pode ser usado como insumo para a indústria química – como de fato já foi usado na síntese de etileno no Brasil, primeiro pela Union Carbide na década de 1950 e, mais recentemente, pela Braskem. Conforme sua configuração, esse processo também poderá produzir outras matérias-primas para a indústria química, tais como ácido acético, acetona, isopropanol, butanol, isopreno, etc.
Esse novo processo, denominado GasFerm, já vem sendo testado desde 2008 numa planta piloto da BlueScope Steel situada na Nova Zelândia. Duas instalações entraram em operação semicomercial nas usinas chinesas de BaoSteel e Shougang em 2012, as quais produzem 400 m³ de combustível por ano.
A primeira unidade europeia para produção de bioetanol a partir de gases siderúrgicos deverá ser implementada na usina de Ghent da ArcelorMittal, com capacidade de produção de 47.000 toneladas anuais, requerendo o investimento de 87 milhões de euros. Sua operação deverá se iniciar em 2017.