O filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço mostrou, de maneira brilhante, os benefícios e os riscos da dependência do Homem em relação à Máquina. Distopias sobre revolta de máquinas e sua vitória sobre a humanidade são recorrentes e cantadas em prosa e verso – como, por exemplo, na suíte sinfônica Karn Evil 9, do grupo de rock progressivo Emerson, Lake & Palmer. Mas a verdade é que sempre houve algum risco em se depender de qualquer recurso que não seja o próprio corpo humano, já que seu uso implica em alguma complicação adicional e desdobramentos imprevistos.
A situação se torna pior se a máquina não executa apenas tarefas mecânicas, mas ameaça pensar, como é o caso dos computadores. Isso não é novidade: as calculadoras eletrônicas se tornaram amplamente comuns há praticamente quarenta anos, aliviando-nos do trabalho de fazer contas. Quantos de nós ainda conseguimos extrair uma raiz quadrada usando lápis e papel? Ou mesmo uma divisão entre números reais?
De lá para cá a situação se tornou bem mais complicada. O vertiginoso progresso da eletrônica digital e a busca incessante pela competitividade tornaram os computadores onipresentes, particularmente em sua versão de bolso – os smartphones que, sem querer querendo, extinguiram o telefone tal como o conhecíamos, transformando-o numa reles função secundária do aparelho. Aliás, é bem possível que os computadores já nos tenham escravizado, considerando o tempo que gastamos para configurá-los, remover os traiçoeiros Baidu da vida e recarregar suas baterias. Nós nem pensamos mais nisso em função das vantagens e recursos que eles nos disponibilizam. Sobrevivemos por milênios e milênios sem correio eletrônico nem WhatsApp, mas agora eles parecem fundamentais para a civilização.
O problema se tornou muito mais sério quando os computadores passaram a controlar instalações industriais e de infraestrutura, onde qualquer falha pode provocar grandes prejuízos ou mesmo desastres. Não há como voltar atrás – muitas vezes, o ganho de eficiência conseguido pela automação é a garantia de sobrevivência das empresas. Mas é necessário estar atento aos riscos que ela embute. Por exemplo, no ano passado foi relatado um incidente digital numa siderúrgica alemã: um vírus conseguiu burlar as defesas digitais da empresa e chegou até os sistemas de controle de um alto-forno, impedindo que o mesmo fosse desligado corretamente e provocando danos que foram descritos como “massivos”. Este caso é particularmente inquietante, pois não se sabe de onde partiu o ataque e nem qual foi a sua motivação, já que sua repercussão foi mínima fora dos círculos especializados. Geralmente ataques digitais possuem motivação política ou militar, ou eventualmente se destinam a massagear o ego de um hacker – mas onde um alto-forno se encaixa nesse padrão?
E ainda há outros perigos, menos espetaculares e mais ocultos, mas que podem implicar em grandes perdas. Por exemplo, a tendência em se manter documentos, livros e relatórios exclusivamente em formato digital, o que proporciona grande economia na redução de instalações físicas e conveniência para a localização e busca de informação. Por outro lado, o risco de perdê-los não é pequeno: a mídia usada para armazenamento digital é sensível e dura poucos anos; arquivos hoje funcionais podem se tornar incompatíveis com o tempo (tente carregar um arquivo de PowerPoint criado há mais de dez anos usando uma versão recente do programa); dados guardados na chamada “nuvem” podem ser afetados por vírus ou falhas de software – ou mesmo hackeados.
Outro ponto crítico é a criação e retenção de conhecimento e tecnologia. Programas para geração de redes neurais ou “data mining” podem extrair conhecimento empírico a partir de grandes massas de dados, mas sem identificar os fenômenos por trás das correlações levantadas. Pacotes específicos de elementos finitos podem simular processos siderúrgicos com facilidade, sem que o usuário tenha de entender a ciência metalúrgica, mecânica e matemática por trás deles. Tudo muito conveniente e econômico, mas transformando engenheiros – que deveriam dominar e questionar as soluções propostas por essas ferramentas – em meros operadores de terminais e fazendo com que renunciem a seu protagonismo técnico.
A era digital transformou o conhecimento em commodity, praticamente eliminando as dificuldades ao acesso de informação que eram típicas dos países menos desenvolvidos. Portanto, um maior número de especialistas, no mundo todo, está apto a entrar na disputa pela liderança tecnológica – inclusive na área metalúrgica – e o progresso cada vez mais rápido do conhecimento requererá maior agilidade e profundidade em sua formação. Os países que melhor se adaptarem a essa situação terão maiores condições de garantir sua competitividade frente aos demais. Mas, para tanto, precisarão contar com profissionais engajados e com uma sólida formação técnica. O fosso entre os países desenvolvidos ou não se aprofundará dramaticamente. De que lado ficará o Brasil?