A necessidade de proporcionar maior segurança e diminuição da emissão de gases dos veículos fez com que aumentasse consideravelmente o uso de aços avançados de alta resistência para fabricação de seus componentes, possibilitando a obtenção de peças com elevada resistência mecânica e baixo peso.
A estampagem a quente surge como alternativa para minimizar algumas desvantagens existentes no processo convencional a frio, em que são necessárias altas forças de conformação e muitas vezes causam um desgaste excessivo das ferramentas e grande retorno elástico.
Atualmente, a estampagem a quente é um dos processos mais bem sucedidos utilizados para produção de componentes estampados de geometria complexa com propriedades mecânicas superiores[1]. O aumento da temperatura em chapas de alta resistência faz com que aumente também a sua deformabilidade e reduz a tensão de escoamento[2].
O processo inicia com o aquecimento da chapa a uma temperatura entre 850°C a 950 °C, por alguns minutos, até alcançar uma microestrutura completamente austenítica. A chapa então é transferida para a matriz e em seguida é conformada e temperada simultaneamente, devendo atingir uma taxa mínima de resfriamento de 27°C/s para garantir uma microestrutura completamente martensítica ao final do processo[3]. Os aços ao boro de baixo carbono constituem a única classe de aço que produzem uma microestrutura totalmente martensítica após a estampagem a quente[4].
O processo de conformação e endurecimento pode ser realizado dentro da abordagem direta ou indireta. Na abordagem direta, a chapa é conformada apenas a quente, já na abordagem indireta, 80% a 95% da estampagem é realizada a frio, e a peça é finalizada no processo a quente para ajuste de dimensões e têmpera[3-4].
No entanto, o desenvolvimento de diferentes propriedades mecânicas ao longo da peça, os chamados “tailored blanks” fez com que outro método de estampagem a quente virasse alvo de estudos, uma vez que o processo convencional não permite obter esse tipo de característica.
O componente “pilar B” dos automóveis é um exemplo de tais componentes em que a parte inferior deve ter uma capacidade de absorção de energia mais elevada do que a proporcionada por uma estrutura totalmente martensítica, para aumentar o desempenho de colisão lateral, enquanto que a parte superior deve reter a estrutura martensítica para apresentar alta resistência. Por isso, foram introduzidas recentemente variantes da estampagem a quente convencional, com o objetivo de adaptar a microestrutura dos componentes a quente e, por conseguinte, as suas características mecânicas[5].
Essa variante pode seguir a estratégia de aquecimento parcial da chapa, onde uma parte é aquecida acima da temperatura de austenitização do material e outra parte é aquecida abaixo dessa temperatura. Após esse aquecimento chamado parcial, a chapa é estampada e resulta em um componente com diferentes valores de resistência mecânica e ductilidade.
Outra alternativa, ainda, é realizar o aquecimento total da peça na temperatura de austenitização e utilizar o resfriamento diferencial, onde pode-se realizar o aquecimento parcial da matriz, resultando em diferentes taxas de resfriamento durante a estampagem. As taxas de resfriamento abaixo de 27°C/s resultam na formação de uma microestrutura mais dúctil e com menor resistência, e taxas acima de 27°C/s resultam em um peça final com valores de resistência mecânica de até 1500 MPa[5].
A Figura 1 (a) mostra o esquema do aquecimento parcial, e Figura 1 (b) da refrigeração diferencial. A ilustração do componente “pilar B” com os diferentes valores finais de resistência à tração está apresentado na Figura 1 (c).
A estampagem a quente é a alternativa de processo que permite a fabricação de itens com dimensões e formatos complexos e de alta resistência mecânica. Como pode-se perceber, a etapa mais crítica da estampagem a quente é o resfriamento do componente, portanto, é imprescindível conhecer as características metalúrgicas do processo, uma vez que a decomposição controlada da austenita é o que garante as propriedades mecânicas excepcionais obtidas nas peças estampadas a quente.
Co-autora: Camila Pereira Lisboa é Engenheira Mecânica e mestranda em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais no Laboratório de Transformação Mecânica (LdTM) da UFRGS. E-mail: camila.lisboa@ufrgs.br.
Referências Bibliográficas
[1] LI, N., SUN, C., MOHAMED, M., LIN, J., MATSUMOTO, T., & LIU, C. (2016). Experimental investigation of boron steel at hot stamping conditions. Journal of Materials Processing Technology, p. 2-10;
[2] MERKLEIN, M., LECHLER, J., & GEIGER, M. (2006). Characterisation of the flow properties of the quenchenable ultra high strength steel 22MnB5. CIRP Annals-Manufacturing Technology, 55(1), P. 229-232;
[3] GORNI, A. A. (2010). Novas tendências no processo de estampagem a quente. Revista Corte e Conformação;
[4] KARBASIAN, H., & TEKKAYA, A. (2010). A review on hot stamping. Journal of Materials Processing Technology, p. 2130-2118;
[5] MERKLEIN, M., WIELAND, M., LECHNER, M., BRUSCHI, S., & GHIOTTI, A. (2016). Hot stamping of boron steel sheets with tailored properties: A review. Journal of Materials Processing Technology, 228, p. 11-24.