De tão complexas, o Ministério da Fazenda barrou as propostas de incentivos fiscais ao setor automotivo nacional em troca de obrigações que estão contidas no Rota 2030, assim paralisou a aprovação do programa de desenvolvimento setorial que deveria ser anunciado este mês e já vinha sendo elaborado desde abril passado no Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) por sete grupos de trabalho que realizaram mais de uma centena de reuniões. “Nós avisamos que da maneira como estava sendo conduzido [no MDIC] não tinha como passar. Incentivos que não trazem benefício real à sociedade não podem ser aprovados. Também não podemos correr o risco de cair no mesmo erro de aprovar mecanismos que depois serão condenados pela OMC (Organização Mundial do Comércio), como já aconteceu com o Inovar-Auto”, afirmou João Manoel Pinho de Mello, chefe da Assessoria Especial de Reformas Microeconômicas do Ministério da Fazenda, órgão de assessoramento direto do gabinete do ministro Henrique Meirelles, que vem acompanhando as negociações em torno do Rota 2030.
Mello esteve na terça-feira, 28, em evento organizado pelo Insper e Banco Mundial em São Paulo para discutir a eficiência dos gastos públicos no Brasil, especialmente incentivos à indústria. Ele participou de painel de debate sobre o Inovar-Auto, programa que termina este ano e deveria ser substituído pelo Rota 2030. “A discussão [sobre o novo programa] não precisa terminar este mês, vamos discutir o quanto for necessário, precisamos ser rápidos mas nada será feito de forma açodada para não repetir os mesmos erros do Inovar-Auto”, afirmou na saída no evento em rápida conversa, deixando a entender que o Rota 2030 tem poucas chances de ser aprovado até o fim de dezembro para entrar em vigor em 2018, como queria o MDIC e a Anfavea, a associação dos fabricantes.
Para Mello, não há problema se o setor ficar algum tempo sem nenhum programa de desenvolvimento. “Por que precisa disso? Existem até países que vivem muito bem sem nenhuma indústria automotiva, como o Chile e a Austrália e estão crescendo todos os anos”, alfinetou, tornando evidente o desprezo da Fazenda em relação ao setor que, no caso brasileiro, representa algo entre 4% e 5% do PIB nacional e emprega meio milhão de pessoas – bem distante dos exemplos citados pelo chefe de assessoria do ministério.
Sobre as propostas elaboradas nas mais de 100 reuniões sobre o projeto no MDIC, Mello foi enfático em desqualificar o trabalho: “O problema dessas reuniões todas é que cada um defende seus interesses. O fabricante de parafusos quer tudo para seu setor e o de outros componentes quer para o dele”, disse. Ele destacou que o setor automotivo recebe atualmente R$ 1,3 bilhão por ano em incentivos fiscais à pesquisa e desenvolvimento e que o momento de arrocho das contas públicas pelo qual passa o País não permite novas concessões à indústria, apesar do custo fiscal citado representar apenas 0,03% do PIB brasileiro, enquanto o setor recolhe anualmente pouco mais de R$ 40 bilhões em impostos, conforme citou o ministro Marcos Pereira, do MDIC, na reunião duas semana atrás em que representantes da indústria foram ao Palácio do Planalto pressionar pela aprovação do Rota 2030.
“Por que a indústria automotiva precisa de incentivos extras para se desenvolver?”, questiona Mello. “Para incentivar pesquisa e desenvolvimento já existe a Lei do Bem”, lembra. Ao que tudo indica, a Fazenda é diametralmente contra a espinha dorsal que sustenta o Rota 2030, que tentava repetir a fórmula do Inovar-Auto ao elevar em 10 ou 15 pontos porcentuais o IPI original de todos os veículos vendidos no País (no Inovar-Auto a sobretaxação foi de 30 pp), para dar descontos tributários às empresas que cumprissem metas propostas de eficiência energética, segurança veicular, investimentos em pesquisa, inovação e produção no País – o que poderia novamente ser alvo de processo na OMC. Sem essa fórmula, nem a possibilidade qualquer isenção fiscal, o Rota 2030 como foi proposto não para de pé. “Melhor seria exigir essas metas em legislação e aplicar multas a quem não cumpre. Outra possibilidade seria o diferimento de impostos, não a isenção deles”, pontua Mello.
“Da maneira como está [a proposta], fica impossível saber que tipo de impacto fiscal o programa teria. Ficou muito complicado entender com tantos descontos e índices de performance. Por isso estamos discutindo uma simplificação, para incentivar de fato aquilo que traz resultados maiores à sociedade”, explicou Angelo Duarte, subsecretário de Análise Econômica e Advocacia da Concorrência, departamento da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. Duarte também acompanhou o evento do Insper. Ao lado de Mello, ele reconheceu que dificilmente o programa poderá ser aprovado ainda este ano: “Está andando mais rápido do que o normal para assuntos desse tipo, mas resta pouco tempo até o fim do ano, deve ficar para depois”, diz.
Durante o painel de debate organizado pelo Insper sobre o Inovar-Auto que Mello participou, o representante da Fazenda foi claro em defender que a falta de competitividade no Brasil é de toda a indústria, não é só do setor automotivo. “Por isso são necessárias políticas transversais, horizontais, não verticais para atender só a um setor”, afirmou. Segundo ele, medidas para redução de risco financeiro e queda de juros, por exemplo, melhoram o ambiente de negócios para todos.
Também participante do painel, Philip Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil, rebateu a crítica de que o setor no País só sobrevive com incentivos e protecionismo. “Dentro das fábricas temos índices de produtividade comparáveis aos melhores padrões mundiais, mas isso é encoberto por altos custos fora dos nossos domínios”, destacou. “Não dá para mudar tudo e tirar os incentivos de uma vez depois de praticar essa política. Acreditamos no programa anterior e investimos aqui € 200 milhões em uma fábrica de automóveis, porque sem isso ficaríamos fora de um mercado promissor [por causa da sobretaxação a veículos importados do Inovar-Auto]. Muitas outras empresas fizeram o mesmo. E agora como fica? Não vale mais nada? O que precisamos é de previsibilidade para trabalhar e nos adaptar”, defendeu.
Dan Ioschpe, presidente do Sindipeças, foi na mesma linha: “Defendemos que o Brasil precisa se inserir na competitividade global, mas aqui temos custos que atrapalham isso. Em contrapartida não há proteção para autopeças, tanto que existe quase isenção de imposto para importar componentes sem similar nacional e o déficit [na balança comercial] do setor é crescente”, ponderou. “Os problemas que enfrentamos não são só do setor, mas do País, que precisa enfrentar isso.”
Fonte: Automotive Business, por Pedro Kutney