A formação de camada de lubrificante sólido na matriz

Relendo as 8 colunas que produzi até então para a revista Forge, me apercebi que tenho uma forte tendência a assumir coisas que para mim são claras mas que para os leitores talvez não sejam tão óbvias!

Assim é com a formação de camada de lubrificante sólido (grafite ou similares e pseudo sólidos) na superfície da gravura da matriz. Inicialmente, vou falar da formação de camada de grafite, com a qual tenho bastante intimidade já há muitos anos. Qual a ideia?

É formar na superfície da gravura da matriz, que pode estar a temperaturas acima de 400°C, uma camada de grafite que garanta um coeficiente de atrito baixo para facilitar o escoamento do metal a 1250°C, acarretando um bom preenchimento da gravura e que não a desgaste antes do forjamento.

Para explicarmos o mecanismo de formação de camada vamos usar o processo de aplicação por pulverização, onde podemos descrever as diversas fases do processo.

Na Figura 1, à esquerda, uma gota de lubrificante diluído em água é arremessada por ar comprimido contra a superfície quente. Esta gota contém as partículas de grafite. A segunda representação (ainda na Figura 1) mostra a gota começando a se achatar sobre a superfície e continua se achatando pela quantidade de movimento (momentum) que lhe foi auferida.

Já à direita, houve um achatamento total da gota, obtenção do maior diâmetro a cobrir (molhar) a superfície. Neste momento, há a retirada do calor (parte cinza) do bloco quente sob o disco achatado da gota. O calor aportado pelo bloco quente evapora a água que muda de fase para vapor d’água e deixa um disco seco de lubrificante (parte verde). Para a aderência total do grafite o calor residual fornecido pelo bloco promove um cozimento (anbacken) da parte orgânica do lubrificante (binder).

De outra forma espera-se que a água, veículo no qual estão dispersas as partículas de grafite, seja totalmente evaporada durante o processo de aplicação. A mudança de estado líquido para gasoso da água precisa de calor, que é retirado da superfície de trabalho e abaixa a sua temperatura. Não esquecendo que também há uma retirada de calor no aquecimento da água veículo, só que bem menor do que na evaporação.

Faz parte da formulação do lubrificante a presença de um ingrediente chamado binder, cuja função é ajudar o grafite a aderir firmemente na superfície da gravura. Já existe uma tendência de as partículas de grafite se aderirem à superfície que acabou de trabalhar por um fenômeno eletrostático. Para que seja possível a dispersão, as partículas de grafite são polarizadas e ostentam o mesmo sinal, repelindo-se mutuamente e conseguindo manter a dispersão. A superfície metálica da gravura da matriz onde houve o atrito com o metal da geratriz se carrega de eletricidade estática de outro sinal que o do grafite, e este é então atraído para esta superfície. Esta parte do processo de formação de camada também é térmico e precisa de calor retirado da superfície de trabalho que assa o binder, aderindo o grafite à superfície. Esta forte aderência é necessária para o funcionamento do grafite. O primeiro estrato precisa estar firmemente aderido para que os estratos seguintes deslizem uns sobre os outros, reduzindo assim o coeficiente de atrito. A tensão de cisalhamento entre os planos precisa ser menor do que a tensão de cisalhamento do primeiro plano e o substrato. De outra forma:

A Figura 2 mostra bem como o grafite funciona. Bem aderido (“assado”) à superfície quente pelo binder, aqui representado por uma mancha marrom, ele resiste a grandes pressões normais (setas vermelha e azul) e “abre” facilmente quando são aplicadas forças inclinadas. Este “abre” significa o deslizamento de um plano (estrato) sobre o outro desde que o primeiro estrato esteja firmemente aderido.

Desta forma, uma vez formada a camada ela trabalha de duas maneiras distintas:

Na Figura 3, no primeiro quadro temos dois planos (linhas pretas) em movimento relativo. O grafite entre os dois garante um movimento fácil devido a um coeficiente de atrito baixo.

O segundo quadro (ainda na Figura 3) mostra a capacidade desmoldante do grafite. É possível separar os dois planos sem que haja arrancamento de partículas de qualquer deles, pois a camada de grafite que há entre os dois garante uma separação perfeita.

Portanto, dando tudo certo, ao aplicarmos o lubrificante sobre a matriz, a água veículo se evapora totalmente e deixa firmemente aderida uma camada de grafite totalmente seca em cima apenas da gravura da matriz, na superfície de trabalho, de aproximadamente 15 a 20 µm.

No forjamento, o grafite, depois de trabalhar, se queima totalmente e transforma-se em CO2 e vapor d’água. Ou seja, uma aplicação sem resíduos. A Figura 4 apresenta bons exemplos do que queremos dizer, camadas e não crostas como na Figura5.

Mas, apesar de ser uma aplicação que perdoa bastante, fazendo com que o grafite vá aonde ele é necessário, pode haver problemas, sendo que o mais comum é o build up. O produto foi formulado para grudar em superfície quente! Em qualquer superfície quente! E gruda mesmo!

Quando aplicado inadvertidamente por overspray, em situações onde é necessário abaixar a temperatura da superfície para que possa ocorrer a formação da camada e em flooding, quando o excesso de lubrificante escorre por cima da matriz e da máquina, haverá a formação de camadas ou crostas oriundas de lubrificante líquido escorrido e não removidas pela ação do billet quente.

Estas formações são extremamente duras e dificílimas de remover. Dentro de gravações ou cantos da gravura impedem a chegada do metal naquele ponto ocasionando refugos dimensionais e gravações entupidas e inteligíveis.

Apenas um retrabalho mecânico nas matrizes é capaz de remover estas formações.