A adequação da amostra é a condição necessária para a obtenção de resultados confiáveis em metalografia, principalmente nas observações microscópicas com grandes aumentos (acima de 500 vezes). Ensaios metalográficos realizados com auxílio do microscópio constituem em uma ferramenta indispensável para quem trabalha com materiais metálicos [1]. A micrografia quando aliada ao conhecimento da composição química do metal oferece informações relevantes sobre os processos utilizados na sua fabricação, falhas e defeitos oriundos de ciclos térmicos e/ou de tensões mecânicas excessivas sofridas pelo material. Na maioria das vezes, estas observações são realizadas com o auxílio de um microscópio óptico (MO) ou eletrônico de varredura (MEV). Mas, para garantir que a observação indique o caminho correto para a investigação, a amostra deve ser escolhida e preparada de forma a ser realmente representativa de um todo, como enfatiza o professor e metalógrafo Walter A. Mannaheimer quando cita Cervantes, em Dom Quixote, 1605: “Por uma pequena parte se pode julgar o todo”[2]. Por isso, a extração da amostra é um ponto importante a ser considerado na preparação metalográfica. Métodos que evitem danificar ou até mesmo modificar a superfície a ser analisada (pelo calor ou por produtos químicos) devem ser preferencialmente utilizados.
Após a extração da amostra, é necessário preparar a superfície para deixá-la plana, polida e/ou atacada quimicamente com o reagente indicado para a investigação desejada. A microscopia óptica requer uma preparação bem mais rigorosa da superfície do que a microscopia eletrônica. Isso porque a profundidade de foco alcançada por um microscópio ótico típico (MO) é bem menor do que a fornecida em um microscópio eletrônico de varredura (MEV). A profundidade de foco em um MO convencional é de 0,27 µm para uma ampliação de 103 vezes, enquanto para um MEV típico pode-se obter a profundidade de foco de 0,4 µm para uma ampliação de 105 vezes [3].
A Figura 1 ilustra duas situações que normalmente podem ocorrer durante a preparação de uma amostra na micrografia. Observa-se que ambas as superfícies apresentam desníveis com profundidades não compatíveis com a formação de uma imagem em foco, no aumento de 1000 vezes, em um MO. No caso 1A, a superfície apresenta sulcos e vales cuja profundidade ultrapassa 0,27 µm. No caso 1B, a superfície mostra-se abaulada, apresentando desnível inapropriado para o aumento de 1000 vezes. O abaulamento da superfície, riscos e vales são comuns em amostras preparadas sem o devido cuidado e geralmente ocorrem durante as operações de lixamento. O microscópio eletrônico de varredura oferece uma grande vantagem em relação aos microscópios ópticos convencionais quanto à magnificação e a profundidade de foco, pois permite observações em foco em superfícies não planas. Fraturas, porosidades, trincas, filmes, produtos de corrosão, defeitos atribuídos aos processos de fabricação utilizados muitas vezes necessitam ser avaliados em amostras “como obtidas”, que dificilmente são planas [2].
Amostras muito pequenas que necessitam passar por lixamento, polimento e/ou ataques químicos seletivos para revelar o que se deseja investigar, terão que ser necessariamente incluídas em resinas para facilitar seu manuseio. A baquelite é uma resina fenólica muito utilizada para o embutimento “a quente” de amostras metalográficas. A resina é um polímero termofixo obtida pela polimerização do fenol (C6H5OH) e do formaldeído (H2C=O) que possui uma notável resistência mecânica e química, além de custo reduzido quando comparada a outras resinas recomendadas para a metalografia [1]. A baquelite não é boa condutora de eletricidade e possui notável resistência térmica, não derrete, se decompõe com o aquecimento e, por isso, torna-se um perigo para o MEV [4]. Para o embutimento com baquelite é utilizada uma prensa específica. Durante a cura, a resina é aquecida e submetida a uma pressão relativamente alta [1].
As resinas acrílicas de polimerização rápida são as preferidas para a inclusão da amostra “a frio”. Na preparação, duas ou mais substâncias são misturadas formando um líquido viscoso, que é vertido sobre um recipiente com a amostra. Após alguns minutos a resina já está endurecida e as amostras incluídas, prontas para serem manuseadas. Infelizmente, estas resinas também não são resistentes ao feixe de elétrons, pois são termoplásticos que se decompõem muito facilmente gerando resíduos ainda mais calamitosos para a coluna do MEV. Por isso, amostras embutidas em resinas para a microscopia eletrônica de varredura tornam-se uma questão preocupante, principalmente quando utilizado a baquelite ou resinas acrílicas [4].
A câmara do MEV, onde são colocadas as amostras, é sempre pressurizada com médio ou baixo vácuo. Porém, a pressão é ainda menor na coluna e menor ainda no canhão onde fica o filamento do microscópio. Então, quando o feixe de elétrons incide sobre uma resina não condutora como a baquelite, os elétrons não tendo para onde escoar, aquecem o material, que se decompõe. A diferença de pressão existente ente o canhão, a câmara e a coluna faz com que os resíduos da decomposição sejam remetidos da câmara para a coluna e da coluna para o canhão. Os resíduos grudam nas lentes e no filamento causando danos irreparáveis para as objetivas e, portanto, diminuem a capacidade de o microscópio operar em grandes aumentos. Na microscopia eletrônica de varreduras são recomendadas resinas condutoras de base epóxi para o embutimento de amostras. Estas resinas são resistentes ao feixe e não volatilizam quando expostas ao vácuo da câmara de amostras. Todavia, não são raras as ocasiões em que durante uma investigação metalográfica surge a necessidade de se utilizar microscopia eletrônica de varredura, além da microscopia óptica. Nestes casos, se a amostra estiver adequadamente embutida com resina apropriada ou não incluída, a mesma poderá se utilizada no MEV, sem nenhuma restrição. Mas se estiver incluída em alguma resina acrílica não é possível utilizar o MEV. Resinas acrílicas são extremamente suscetíveis ao feixe de elétrons, degradam-se quando aquecidas no vácuo e, por isso, são proibitivas para a microscopia eletrônica de varredura. Uma alternativa é tentar eliminar o embutimento cortando ou quebrando a resina para deixar a amostra livre, porém, existe o risco de danificar a superfície polida. O correto é preparar novamente a amostra com uma resina adequada.
A baquelite e outros polímeros termofixos poderão ser utilizados no MEV, desde que bem aterrados ao equipamento, ou seja, desde que conduzam os elétrons para a mesa do equipamento. Para tal, além da metalização da superfície, outros artifícios terão que ser adotados para não prejudicar o microscópio. O aterramento tem a função de desviar os elétrons gerados na amostra e na resina, devido ao feixe eletrônico, para a mesa do MEV. A metalização é um recurso muito utilizado para o aterramento de amostras poliméricas, cerâmicas e de materiais biológicos. O aterramento evita o aquecimento da amostra e, no caso de materiais orgânicos, sua degradação. Este procedimento dever ser utilizado como regra para qualquer amostra incluída em resina, mesmo para aquelas recomendadas para microscopia eletrônica de varredura. Um bom aterramento garante imagens contrastadas e em foco para aumentos superiores a 104 vezes, além de favorecer a conservação do equipamento [4].
Para garantir o aterramento adequado da baquetite, deve-se antecipadamente adotar alguns artifícios durante o embutimento da amostra que facilitem a sua utilização no MEV, mesmo que a intenção inicial seja utilizar somente microscopia óptica na investigação. Por exemplo, é apropriado deixar o fundo da amostra livre durante o embutimento ou utilizar um pedaço de metal ou fios metálicos para deixá-la condutora. Observe que nas Figuras 2A e 2B as amostras estão isoladas pela resina. Mesmo com a metalização da superfície, as amostras e a resina não estarão aterradas, portanto, dificilmente serão obtidas imagens bem constratadas, com aumentos superiores a 5000 vezes. Esta situação é muito comum, pois os processos rotineiramente utilizados para a metalização produzem uma camada metálica (de ouro ou paládio) na superfície da amostra, que muito dificilmente cobre as laterais do embutimento. Por outro lado, pode-se tentar metalizar as laterais do embutimento, mas o custo é elevado, pois tanto o ouro como o paládio são materiais caros. As Figuras 2C e 2D indicam duas alternativas para o aterramento de uma amostra ao MEV. A Figura 2E ilustra um aterramento ideal para amostras incluídas em baquelite ou em algum outro polímero termofixo. Observa-se que o aterramento é realizado através de uma fita condutora que liga a resina e a amostra com a mesa do MEV.
Resumindo, amostras preparadas para microscopia óptica podem ser utilizadas para microscopia eletrônica de varredura, desde que incluídas em resina apropriada e/ou bem aterradas ao equipamento. Por isso, quando se inicia a preparação de uma amostra para a micrografia, deve-se ficar atento para que a mesma possibilite a condução elétrica, pois talvez seja necessário utilizar microscopia eletrônica na investigação. Deve-se considerar, também, que o tipo de aumento utilizado definirá quão refinada deverá ser a preparação da superfície a ser observada. Amostras para a observação metalografica, mesmo aquelas “como obtidas”, deverão estar secas, limpas (sem resíduos de óleo, pó, graxas e outras sujidades) e com dimensões compatíveis com o microscópio utilizado.
Referências
[1] ASM, Metals Handbook: Volume 9: Metallography And Microstructure, American Society for Metals, metals Park, Ohio, USA, 1985.
[2] Mannheimer, W. A., Microscopia dos Materiais. E-papers Serviços Editorais Ltda, Rio de Janeiro, 2002.
[3] Goldstein, J. I. et al. Scanning Electron Microscopy and X-ray microanalysis, Plenum Press, N.York, 1992.
[4] Dedavid, B. A.; Machado, G. Gomes, C.I. Microscopia Eletrônica de Varredura: aplicações e preparação de amostras, EDIPUCRS, 2007. Disponível em: http://www.pucrs.br/edpucrs/online/microscopia.pdf