Nitretação sob plasma – Fundamentos e aplicações – Parte III

No artigo anterior, “Nitretação sob Plasma Parte 2 – Aplicação em Aços Inoxidáveis Austeníticos”, foram mostradas as características particulares do processo de nitretação sob plasma para o aço AISI 316L que elevam a dureza superficial, mas preservam a resistência à corrosão. A possibilidade reside no fato de se utilizar a vantagem cinética do processo de plasma e utilizar baixas temperaturas de processo, inferiores a 420°C, obtendo-se com isso uma camada formada por “austenita expandida pelo nitrogênio, gN”, com dureza superior a 1200HV [1-4].

Dando sequencia ao desenvolvimento tecnológico para a aplicação da tecnologia de plasma em aços inoxidáveis austeníticos, utilizando baixa temperatura, novos processos foram estudados para obtenção de superfícies diferenciadas por meio da difusão do carbono. Uma vez dispondo da possibilidade de geração de plasma e da introdução de um gás contendo o carbono, neste caso o Metano (CH4) é possível realizar não apenas a nitretação, mas a nitrocarburação e até mesmo a cementação destes aços. Com isso, é possível obter camadas com propriedades diferenciadas, otimizadas e com amplo potencial de aplicação em diferentes sistemas tribológicos. Estes processos buscam basicamente elevar o desempenho de componentes utilizados nas indústrias: químicas, alimentícia, farmacêuticas, do petróleo e gás, do papel e celulose, entre outras, onde os aços inoxidáveis austeníticos (ASS) são amplamente utilizados.

Desenvolvimento Tecnológico

Partindo do pressuposto que é possível nitretar sob plasma o aço inoxidável 316L a baixa temperatura, ou seja, difundir o elemento intersticial nitrogênio, foram realizados experimentos para difundir outro elemento intersticial importante, o carbono. Estes desenvolvimentos objetivaram difundir simultaneamente nitrogênio e carbono, ou seja realizar a nitrocarburação, e difundir exclusivamente o carbono, ou seja, realizar a cemetação. Todos os tratamentos foram realizados a baixa temperatura e serão denominados de: LTPN para a Nitretação, LTPNC para a Nitrocarburação e LTPC para a cementação. Estas pesquisas foram conduzidas utilizando o aço inoxidável austenítico Tipo AISI 316L, de composição básica: Fe-0,011% C-18,80% Cr-14,70% Ni-2,45% Mo-0,012% P-0,001% S. Os tratamentos sob plasma foram conduzidos em um reator de plasma pulsado DC, de ELTROPULS GmbH. Em todos os tratamentos foi realizada uma etapa prévia de bombardeamento iônico com hidrogênio puro para remover o filme passivo de Cr2O3 e garantir a difusão do intersticial. As LTPN, LTPNC LTPC foram realizadas a 400°C, durante 20 horas. As misturas de gás foram selecionadas de acordo com o processo plasma a ser utilizado: 3N2:1H2 para LTPN (nitretação); 3N2:1H2:0,3CH4 para LTPNC (nitrocarburação) e 3Ar:1H2:0,3CH4 para LTPC (cementação). Um tratamento de cementação adicional foi realizado em 480°C por 20 horas, utilizando a mistura de gás utilizado para a mesma LTPC a 400°C.

Para a análise da evolução microestrutural nas superfícies tratadas foram utilizadas: Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV), após preparação metalográfica transversal e ataque com reagente de Água Regia. A identificação das fases formadas durante os tratamentos foi feita por Difração de Raios X (DRX), utilizando radiação CuKa, em simetria de Bragg-Brentano. O endurecimento foi determinado por medidas de microdureza Vickers utilizando carga de 25gf.

Resultados

Após os tratamentos de LTPN, LTPNC e LTPC foram observadas a presença de austenita expandida em todas as superfícies, Fig. 1. Verifica-se que após a nitretação, Fig. 1 (a) forma-se uma monocamada de austenita expandida pelo nitrogênio (gN) com espessura de 12,4 µm. Após a nitrocarburação, Fig. 1 (b), verifica-se a formação de uma dupla camada, formada por uma camada mais externa de austenita expandida pelo nitrogênio (gN), com espessura de 7,4 µm, seguida por uma camada de austenita expandida pelo carbono (gC), com espessura de 5,2 µm. Em comparação com a nitretação, na nitrocarburação a camada dupla é explicada por: a) a ocorrência da difusão simultânea de N e C b) pelo acumulo de C em frente da interface de nitretação [4].

Quando a Cementação sob Plasma a Baixa Temperatura (LTPC) é realizada a 400°C ocorre a formação de uma monocamada constituída por carbono austenita expandida pelo carebono (gC), com espessura de 12,6 µm, Fig. 1 (c). Quando LTPC é realizada a 480°C, ocorre um aumento na espessura da monocamada de austenita expandida (gC) com espessura de 21,1 µm, como consequência do aumento do coeficiente de difusão de carbono, Fig. 1 (d).

As Figuras 2, (a) a (d), mostram espectros de difração de raios X do aço inoxidável AISI 316L antes e depois de tratamentos de superfície LTPN, LTPNC e LTPC. A Figura 2 (a) mostra espectro da austenita não tratada e se observam, como esperado, apenas os picos da austenita em sua posição normal.

Nas Figuras 2 (b) a (d) são mostrados os espectros de difração da; LTPN, LTPNC e LTPC realizadas a 400°C. Nos espectros de difração após os tratamentos de difusão sob plasma observam-se apenas a presença dos picos de austenita expandida, caracterizados pelo seu deslocamento para a esquerda e alargamento com relação aos picos da austenita sem tratamento superficial. Este deslocamento dos picos da austenita expandida para a esquerda e seu alargamento é consequência da supersaturação em intersticial, nitrogênio ou carbono, que aumenta o parâmetro de reticulado CFC da austenita e gera um estado elevado de tensão residual de compressão.

A Fig. 3 mostra a microdureza Vickers superficial nas condições sem tratamento e das camadas de austenita expandida obtidas após a nitretação (LTPN) e nitrocarburação (LTPNC) realizadas a 400°C e a cementação (LTPC) realizada a 480°C. Verifica-se que a dureza da austenita expandida é pelo menos 5 vezes superior a da austenita sem tratamento superficial, por consequência da distorção do reticulado provocada pela supersaturação no elemento intersticial. Para a nitretação e nitrocarburação a dureza superficial é 7 vezes maior do que para austenita não tratada, atingindo quase 1400 HV0,025 para ambos os processos.

A dureza superficial na cementação, com camada austenita expandida pelo carbono, foi 5 vezes maior do que a das amostras não tratadas, atingindo cerca de 1000 HV0.025. A dureza da austenita expandida pelo carbono (gC) é mais baixa do que a encontrada para a austenita expandida pelo nitrogênio (gN), porque o teor de nitrogênio em supersaturação é de aproximadamente 37%at. em (gN) e o teor de carbono em supersaturação é de aproximadamente 14%at. na (gC).

A Fig. 4 mostra os perfis de endurecimento transversal para a nitretação e a nitrocarburação, LTPN e LTPNC, a 400°C e para a cementação, LTPC a 480°C. Para o tratamento de nitretação a dureza máxima (~400HV0.025) estende-se através de toda a espessura da camada de austenita expandida diminuindo abruptamente, na interface nitretada/substrato, para o nível de dureza do substrato não tratado (~200HV0.025). Na cementação, a austenita expandida pelo carbono mostra um gradiente menos acentuado de queda de dureza em direção ao núcleo, ainda que a dureza máxima seja tão elevada quanto 1000HV0.025. Finalmente, a nitrocarburação, LTPNC, é o tratamento de difusão sob plasma a baixa temperatura que conduz a melhor combinação de propriedades, pois apresenta uma dureza máxima perto 1400 HV e uma diminuição da dureza suave e gradativa da dureza no perfil transversal em direção do núcleo do substrato, já que a camada inferior de austenita expandida pelo carbono apresenta menor endurecimento.

A camada dupla faz ainda que a camada de austenita expandida pelo carbono (gC), formada posteriormente, atue como suporte para (gN), conferindo uma maior estabilidade mecânica da camada exterior endurecida e deve conduzir a um melhor desempenho em relação à capacidade de carga, resistência e propriedades de fadiga [5-7]. Os tratamentos de difusão LTPC e LTPNC devem resultar em melhor desempenho em aplicações onde altos níveis de tensões de contato são encontrados.

Considerações Finais

Este desenvolvimento mostrou que é possível realizar não apenas a nitretação sob plasma, mas também a nitrocarburação e a cementação sob plasma. Para isso, é preciso estar disponível um gás que contenha o elemento carbono, neste caso o Metano (CH4) e que a combinação entre este gás e os outros de processo sejam controladas. A microestrutura destes tratamentos é composta de austenita expandida, mas com características diferenciadas da austenita expandida obtida na nitretação.

Na nitretação sob plasma a baixa temperatura obtém-se uma monocamada de austenita expandida pelo nitrogênio (gN), enquanto que na nitrocarburação obtém-se uma dupla camada constituída da camada de austenita expandida pelo nitrogênio (gN) na parte mais externa e seguida da camada de austenita expandida pelo carbono (gC). Na cementação obtém-se uma monocamada de austenita expandida pelo carbono (gC).

Em temos de propriedades, verifica-se que na nitretação e na nitrocarburação a dureza do aço é elevada em aproximadamente 7 vezes, atingindo cerca de 1400HV e na cementação este valor é de 1000HV. Este endurecimento garante melhores propriedades mecânicas e maior resistência ao desgaste. O perfil de endurecimento transversal é otimizado na nitrocarburação e na cementação o que garante maior estabilidade ao desplacamento. Todas as camadas não reagem quimicamente com Água Régia o que demonstra sua elevada resistência à corrosão.

Referências

1. T. Czerwiec, N. Renevier, H. Michel, Surface and Coatings Technology, 131, (2000) 267 – 277;
2. M.P. Fewell, J.M. Mitchell, K.T. Priest, K.T. Short, G.A. Collins, Surface and Coatings Technology, 131 (2000) 300-306;
3. N. Mingolo, C.E. Pinedo, A.P. Tschiptschin, Surface and Coatings Technology, 201 (2006) 4215-4218;
4. H. Dong, International Materials Review, 55 (2010) 65 – 98;
5. T. Bell, Key Engineering Materials, 373-374 (2008) 289-295;
6. T. Christiansen, M.A.J. Somers, Surface Engineering, 21 (2005) 445-454;
7. D. Monova, J.W. Gerlach, F. Scholze, S. Mändl, H. Neumann, Surface and Coatings Technology, 204 (2010) 2919-2922.