Os aços ferramenta são amplamente utilizados na indústria metal/mecânica na fabricação de ferramentas que abrangem operações de: corte/conformação a frio e a quente, fundição de ligas não ferrosas e injeção de polímeros. A fabricação destes ferramentais utiliza os mais diferentes tipos de aços ferramenta, específicos para cada tipo de operação, e invariavelmente o desgaste está presente como variável importante de controle e de fim de vida das ferramentas. A nitretação sob plasma pulsado é comprovadamente um tratamento superficial eficaz para os aços ferramentas que produz superfícies com boas características de dureza e microestrutura.
Operações de conformação, fundição e corte são extensivamente utilizadas na produção de componentes, particularmente pela indústria automobilística. Estes processos, tais como: fundição sob pressão, forjamento, extrusão, corte de chapas, injeção de polímeros, entre outros, necessitam de ferramental apropriado, fabricado a partir de aços desenvolvidos especialmente para cada aplicação de modo a atingir o desempenho desejado. Em praticamente todos os processos citados, uma das principais causas de fim de vida de ferramenta é o desgaste da cavidade ou da face de corte.
A nitretação é um tratamento termoquímico que eleva a dureza da superfície, a resistência à fadiga, a resistência ao desgaste e algumas vezes a corrosão dos aços. Em geral, a superfície nitretada é vista no microscópio óptico como tendo uma camada de compostos, chamada comumente de camada branca, na região mais externa da superfície, seguida pela zona de difusão. Os processos de nitretação tradicionalmente utilizados na indústria, classificados de acordo com o meio nitretante, são a nitretação gasosa e a nitretação em banho de sais, mas nitretação sob plasma vem ganhando espaço importante na última década para o processamento de aços especiais.
A maior vantagem da nitretação por plasma é a possibilidade de controlar a metalurgia da camada nitretada. Para um mesmo aço, este processo permite variar o tipo de nitreto formado na camada de compostos e até mesmo impedir a formação desta camada. Para isto, deve se controlar precisamente: a composição da mistura gasosa, a temperatura e o tempo de nitretação. O controle da profundidade de nitretação é realizado pelo controle da temperatura e do tempo de processo. A nitretação sem a camada de compostos é realizada utilizando-se um baixo potencial de nitrogênio e/ou tempos curtos de nitretação. Elevando-se o potencial de nitrogênio, bem como adicionando-se metano, forma-se preferencialmente camada de compostos com nitreto do tipo e-Fe2-3N. É muito importante ter em mente que a composição química do substrato desempenha um papel importante sobre a metalurgia da superfície nitretada.
Diferentes tipos de aço ferramenta são utilizados na fabricação de ferramentas e moldes. A seleção destes aços deve levar em consideração propriedades como: resistência (dureza), tenacidade (resistência à fratura), usinabilidade, polibilidade, capacidade de texturização, resistência à corrosão e resistência ao desgaste. A melhor combinação dessas propriedades é atingida por um rígido controle no processo de fabricação da matéria-prima e pelo uso correto do processo de tratamento térmico. Os principais aços utilizados na fabricação de ferramentas e moldes com suas características mais importantes, são:
– AISI H13: Principal aço para trabalho a quente, é a solução para ferramentas sujeitas às mais variadas solicitações. É aplicado em ferramentas de forjamento, de extrusão de alumínio, de fundição sob pressão e em moldes de injeção de plásticos que exigem maior resistência ao desgaste dos moldes. Nestes casos, a utilização do aço ferramenta tipo AISI H13 possibilita o endurecimento após tratamento térmico para durezas Rockwell C de 45 a 52, o que fornece à ferramenta uma combinação excelente entra resistência mecânica e tenacidade para a ampla gama de aplicação.
– AISI D2: Principal aço para trabalho a frio, é a solução para ferramentas sujeitas às solicitações de elevado carregamento mecânico onde a tenacidade também deve ser priorizada. Quando comparado ao aço AISI D6, possui menor resistência ao desgaste, mas sua maior tenacidade e versatilidade de tratamento térmico o faz mais importante. É aplicado nas mais diferentes ferramentas de corte e conformação de chapas a frio, principalmente em matrizes e punções.
– AISI 420: Em certos casos a natureza do polímero exige o uso de aços resistentes à corrosão e ao desgaste. Nesta situação, este é o aço inoxidável mais utilizado entre os martensíticos. Este aço é tratado termicamente por têmpera e revenimento para uma dureza Rockwell C entre 50 e 52. Aqui, a correta especificação do tratamento térmico é fundamental para garantir uma ótima resistência à corrosão e o endurecimento na nitretação não deve de forma alguma deteriorar a sua resistência à corrosão. Este artigo irá apresentar as principais características relacionadas ao uso do processo de nitretação sob plasma para estes aços, sua importância na modificação da microestrutura superficial, no processo de endurecimento e na resistência à corrosão.
Desenvolvimento Tecnológico
Para este estudo foram selecionados os aços ferramenta mais utilizados no Brasil nos mais diversos tipos de ferramental e aplicações. Os materiais selecionados para o estudo foram: AISI H13, AISI 420 e AISI D2. A composição química de cada um destes aços encontra-se na Tabela 1.
Para cada aço foram cortadas amostras submetidas previamente ao tratamento térmico de têmpera e revenimento. Os tratamentos térmicos foram realizados sob vácuo de acordo com as condições apresentadas na Tabela 2 e que conduzem a dureza mais comum de uso em seus ferramentais. O reator de nitretação sob plasma utilizado neste trabalho possui dimensões internas de 400 mm de diâmetro por 850 mm de altura, podendo tratar peças de até 500 kg. O processo é conduzido a vácuo e utiliza como gases o nitrogênio (99,999%), hidrogênio (99,999%), metano e argônio (99,995% para ambos). Este reator possui como características principais, uma fonte de tensão pulsada como solução para problemas de abertura de arco e redução do efeito de catodo oco e uma câmara aquecida, opção importante para reduzir a intensidade de plasma necessária ao processo e assegurar o melhor perfil térmico dentro no interior do forno. Os parâmetros utilizados nos diferentes tratamentos de nitretação sob plasma foram selecionados de forma a obter diferentes microestruturas na superfície de cada aço em particular.
Após os tratamentos superficiais de nitretação as amostras foram seccionadas e preparadas metalograficamente na seção perpendicular a superfície nitretada. A microestrutura foi avaliada por microscopia óptica. A dureza do substrato antes e após a nitretação foi avaliada por medidas de dureza Rockwell C. O perfil de dureza da superfície nitretada foi determinado por medidas de microdureza Vickers. Após a avaliação dos perfis foi determinada a profundidade de endurecimento utilizando o critério especificado pela Norma DIN, a qual considera a profundidade de nitretação, NHT, como sendo a correspondente ao endurecimento de 50 HV com relação a dureza do substrato.
Resultados
Aço Ferramenta AISI H13
Os tratamentos de nitretação para o aço H13 buscaram obter camadas nitretadas com microestruturas diferenciadas, com e sem a Camada Branca. Para isso, se variou principalmente o potencial de nitrogênio na nitretação. As nitretações foram realizadas com potencial de nitrogênio elevado para obter a camada branca e com potencial de nitrogênio reduzido para evitar a sua formação. Ambos os tratamentos foram realizados a 520°C. As microestruturas obtidas não apresentadas na Figura 1. Verifica-se claramente que o elevado potencial de nitrogênio, Figura 1(a) leva a presença de uma camada branca, com 8mm seguida da zona de difusão, com 0,26 mm. Entretanto, quando o potencial de nitrogênio é reduzido, Figura 1 (b), a camada branca é suprimida e a superfície é constituída apenas pela zona de difusão, com 0,13 mm. Os perfis de dureza obtidos em cada condição são apresentados na Figura 2. Verifica-se um endurecimento superficial mais elevado e uma maior profundidade de endurecimento no caso da presença da Camada Branca, mas o nível de endurecimento atingido apenas com a zona de difusão também é elevado, superior a 1000HV.
Para o aço Tipo AISI H13 ambas as microestruturas podem ser utilizadas, dependendo da aplicação da ferramenta. Em aplicações como forjamento a quente, com elevada carga superficial e taxa de desgaste se utiliza a nitretação com camada branca. Em matrizes de injeção de alumínio a presença da camada branca é indesejada, a microestrutura deve conter apenas a zona de difusão com objetivo de promover o endurecimento e melhorar a resistência à formação das trincas de fadiga térmica. Em moldes de injeção de polímeros ambas as superfícies nitretadas podem ser utilizadas, dependendo da necessidade. Em casos de cavidades espelhadas não se utiliza a camada branca, pois esta eleva a rugosidade e compromete o espelhamento. Em caso de cavidades sujeitas a intenso desgaste e componentes periféricos a nitretação deve ser feita com a presença da camada de compostos. A Figura 3 mostra uma ferramenta de extrusão de alumínio durante a nitretação sob plasma pulsado.
Aço Ferramenta AISI D2
Para o aço ferramenta para trabalho a frio D2 também se estudou os dois tipos de microestrutura superficial, com e sem a camada de compostos, variando-se principalmente o potencial de nitrogênio na nitretação como no aço H13, na temperatura de 520°C. As microestruturas obtidas são apresentadas na Fig. 4. A Fig. 4 (a) mostra que em potencial de nitrogênio elevado a microestrutura da superfície nitretada contém não apenas a camada branca, mas uma intensa precipitação de nitretos em contornos de grão na zona de difusão. Esta precipitação intensa é consequência da elevada afinidade do cromo pelo nitrogênio, formando nitretos de cromo e ocorre porque este aço possui um teor de cromo muito elevado, 11,5%, diferente do ao H13, que possui 5% de cromo.
A superfície nitretada com camada branca eleva a dureza superficial, mas deteriora bruscamente a resistência à fratura na superfície e causa a microfratura localizada sob condições prematuras de serviço. Isto ocorre porque ferramentas de trabalho a frio são sujeitas a cargas de deformação extremamente altas e isso causa “esboroamento” na superfície de trabalho. No caso de ferramentas de corte a frio ocorre o lascamento intenso das arestas cortantes.
Por estas características microestruturais este aço deve sempre ser nitretado sem a presença da camada branca, Fig. 4(b). É possível observar que sob um potencial baixo de nitrogênio a zona de difusão é homogênea sem qualquer partícula de nitreto de cromo nos contornos de grão. Mesmo na ausência da camada branca, a precipitação submicroscópica de nitretos complexos de ferro e cromo promove um elevado endurecimento superficial. A Fig. 5 mostra o perfil de endurecimento do aço D2 onde se observa que o máximo de endurecimento atinge um valor da ordem de 1200HV. Este nível de endurecimento só agrava a adversidade da presença da camada branca e de nitretos em contornos de grão.
Um fator muito importante na nitretação do aço AISI 420 é a necessidade de remoção da camada passivada antes da nitretação. Nos processos convencionais esta remoção deve ser química ou mecânica, ambas deteriorando o acabamento superficial. No processo sob plasma esta remoção é realizada pelo bombardeamento iônico com hidrogênio nas etapas que precedem a nitretação. Neste aço é obrigatório endurecer na nitretação sem comprometer a resistência à corrosão. Os processos convencionais não podem satisfazer esta condição porque usam sempre temperaturas elevadas de processo.
O processo sob plasma, assistido pelo bombardeamento iônico, pode nitretar em temperaturas tão baixas quanto 350°C. A Fig. 6 mostra superfície do aço AISI 420 nitretado em alta (550°C) e em baixa temperatura (380°C), observa-se que a zona de difusão na nitretação a alta temperatura é severamente atacada pelo reagente metalográfico, o que não ocorre na nitretação a baixa temperatura. Este resultado mostra que é possível enriquecer a superfície em nitrogênio sem comprometer a resistência à corrosão. Isto ocorre porque na nitretação a alta temperatura a zona de difusão é formada pela precipitação de nitretos de cromo e em baixa temperatura é formada pela precipitação de nitretos de ferro, deixando o cromo livre para atuar na inoxibilidade do aço.
Mesmo utilizando uma temperatura baixa de nitretação o endurecimento conseguido da zona de difusão pela precipitação de nitretos de ferro é eficiente em elevar a dureza superficial para um máximo de 1000 HV. Ainda diferente da nitretação em temperatura elevada, o perfil de endurecimento é do tipo difuso, o que melhora a resistência à fratura da camada nitretada.
Outra grande vantagem da nitretação a baixa temperatura é a estabilidade dimensional e de forma, necessária a componentes críticos de acordo com a relação comprimento seção transversal ou em componentes circulares com paredes finas. No caso de buchas de extração de parede fina a nitretação a alta temperatura concentra calor de forma diferencial entre o interior e o exterior da bucha levando a uma perda de dimensão e de forma, ovalização. Na nitretação a baixa temperatura não ocorre variação dimensional, de forma e a qualidade do acabamento superficial fica inalterada. Ver como exemplo buchas nitretadas a baixa temperatura mostradas na Fig. 8.
Considerações Finais
A nitretação sob plasma é um processo plenamente adaptável às mais diferentes necessidades dos aços ferramenta. A facilidade de controle dos parâmetros de processo como potencial de nitrogênio e temperatura permite controlar a metalurgia da superfície nitretada de forma a conseguir propriedades particulares para cada aço em suas aplicações especificas. Isto é de extrema importância tendo em vista que um mesmo aço ferramenta pode ter diferentes aplicações e necessitar de uma camada nitretada diferente em cada uma delas. Quando se trata de aços inoxidáveis onde a resistência à corrosão deve ser preservada e a depassivação é necessária o processo sob plasma é o de melhor aplicação. A Tabela 3 resume os resultados obtidos na nitretação sob plasma dos aços estudados.