O “Renascimento” da P&D na siderurgia

A redução ou mesmo encerramento das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento em siderurgia nas antigas potências industriais – EUA, Inglaterra, França, Alemanha – às vezes induz à sensação de que a ciência metalúrgica, particularmente na área das ligas ferrosas, atingiu a maturidade e que pouco mais há a desenvolver nessa área. No entanto, o Japão continua relativamente forte nessa área, tornando-se a exceção que justifica a regra.

A síndrome do “nada mais há a inventar” é tão atraente quanto perigosa – afinal, essa foi a justificativa que o diretor do departamento de patentes dos EUA fez ao solicitar o fechamento de sua repartição em 1899. Pode até ser que não mais voltarão os tempos das então revolucionárias descobertas sobre a metalurgia física das ligas metálicas, ocorridas nos anos 1930 e 1940, mas certamente ainda há muito espaço para inovações em siderurgia.

Pode-se começar citando uma tendência já exaustivamente mencionada neste espaço: a necessidade de se desenvolver aços com maior resistência mecânica, mas mantendo a conformabilidade das suas versões comuns, de forma a permitir a fabricação de peças com formato complexo, mas com menor peso, visando reduzir o consumo de energia pelos automóveis e a consequente redução da geração do gás carbônico, causador do efeito estufa. Isso também é importante para os futuros carros elétricos, já que a capacidade de suas baterias continua a ser um problema crítico.

Além disso, há outras motivações para as atividades de P&D. Não basta fabricar o aço, é necessário produzi-lo em massa, com qualidade consistente e sob o menor custo possível. Isso requer o aperfeiçoamento dos processos de sua fabricação, quando não de abordagens disruptivas, o que também implica em atividades de Pesquisa e Desenvolvimento para entender os fenômenos metalúrgicos, físicos e químicos por trás deles. E convém lembrar que alguns produtos siderúrgicos muito sofisticados, com alto retorno financeiro, são produzidos em quantidades muito pequenas para atender nichos de mercado. Geralmente essa demanda acaba sendo atendida exclusivamente pelas primeiras poucas usinas que conseguem desenvolvê-los satisfatoriamente e fabricá-los de maneira consistente e econômica, inviabilizando sua exploração posterior pelos demais concorrentes.

Os recursos analíticos hoje disponíveis aos pesquisadores são muito mais poderosos do que os existentes na chamada “era de ouro” da metalurgia. As máquinas para simulação de processos industriais estão cada vez mais acessíveis e dispondo de recursos sofisticados para aquisição de dados. O avanço da microscopia eletrônica e da difração de raios X permite hoje caracterizar microestruturas com maior precisão e riqueza de detalhes. Esse vasto manancial de informações, devidamente explorado e analisado, gera insights vitais para o desenvolvimento de produtos revolucionários e processos mais eficazes.

Não bastasse isso, os recursos da Indústria 4.0 transformaram o próprio chão de fábrica num laboratório de pesquisa. A ampla disponibilidade de dados de processo, associada às poderosas técnicas de análise estatística por mineração de dados e aos inúmeros recursos de modelamento matemático (elementos finitos, redes neurais, lógica nebulosa, algoritmos genéticos…) permitem não só otimizar os processos, como também estabelecer correlações confiáveis entre seus parâmetros e as propriedades do produto obtido, permitindo uma operação econômica com mínima geração de rejeitos ou degradação da qualidade.

Tudo isso já vem ocorrendo na siderurgia mundial. A única diferença em relação ao passado é que as atividades de pesquisa e desenvolvimento mudaram de lugar, acompanhando o deslocamento da produção siderúrgica mundial. Os autores chineses, seguidos pelos coreanos e hindus, passaram a dominar o conteúdo dos tradicionais periódicos técnicos de metalurgia, refletindo uma febril atividade de Pesquisa e Desenvolvimento. Afinal, não foi por acaso que a Posco foi considerada este ano a siderúrgica mais competitiva do mundo. Um real apoio à inovação e sua aplicação à prática industrial é um dos fatores essenciais que faz a diferença entre uma empresa ser líder ou liderada.

Por outro lado, novidades dão conta de um ressurgimento da Pesquisa e Desenvolvimento mesmo nos países aparentemente cansados de siderurgia, apesar (ou, talvez, por isso mesmo) das restritas margens de lucro decorrentes da super-oferta de aço nos mercados mundiais. A AK Steel, nos EUA, inaugurou em Maio último um novo centro de pesquisa, devidamente equipado com recursos científicos e com arquitetura moderna que viabiliza uma interação permanente entre pesquisadores, de forma a promover a consequente troca de ideias e inovações. Por sua vez, em Junho deste ano a austríaca Voest Alpine anunciou a construção de um novo centro metalúrgico voltado para o desenvolvimento de aços longos em Donawitz, com 2.800 m², o qual suplementará as atividades de P&D na área de aços planos que já ocorrem em outro centro, este localizado em Linz. A ênfase desse novo centro será o desenvolvimento de novos aços com maior resistência mecânica, menos peso e maior resistência à corrosão. Ele disporá de instalações para a elaboração de corridas com até quatro toneladas de aços experimentais, as quais serão processadas em linhas industriais normais de laminação de arames, trilhos e tubos sem costura, de forma a verificar rapidamente seu desempenho sob condições reais.

E também no Brasil há notícias promissoras neste setor. Só para citar alguns exemplos, tem-se a implantação do centro regional de P&D da ArcelorMittal, em Vitória (ES), que vem ocorrendo desde 2015. Também é digno de nota um ambicioso programa de reequipamento ora em curso no Instituto Senai de Inovação em Metalurgia e Ligas Especiais, do Centro de Inovação e Tecnologia SENAI-FIEMG, Campus CETEC, em Belo Horizonte (MG). Essa modernização inclui desde equipamentos voltados para a elaboração de ligas metálicas, passando pela simulação da conformação mecânica e soldagem, até sua caracterização detalhada do ponto de vista mecânico e microestrutural.