Engenheiros que buscam inovações tecnológicas associadas com P&D em colaboração com instituições de pesquisa (ICT) enfrentam as mais diversas dificuldades administrativas, a começar com a identificação de temas de relevância para o negócio, apoio coletivo da liderança, competência técnica da equipe e recursos financeiros e econômicos. A preparação da documentação, termo de cooperação técnico-científico ou contrato (minuta) de P&D com a ICT é uma das etapas mais desgastante para desenhar uma proposta; cláusulas jurídicas devem ser elaboradas para abranger e se adiantar a todas possíveis situações de risco relacionadas aos atores envolvidos, delimitar os critérios para execução e entregáveis do projeto e ao final, obter uma unanimidade para um acordo e são nestes contextos que começam as vastas discussões.
Parte desta dificuldade é devido ao desacoplamento entre os departamentos técnico e jurídico, os quais atuam dentro de uma empresa como áreas independentes e estão distantes do dia-a-dia das atividades de P&D. Diante das peculiaridades do modelo de negócio praticado em nosso território, normalmente estas atividades não são prioritárias, ou seja, os temas envolvendo o “core business” da empresa é o foco principal. Ainda se percebe que a equipe jurídica local, em via de regra, é muito reduzida, consequência do caráter otimizado das estruturas praticadas em filiais brasileiras e/ou a falta de recursos de “budget” de empresas puramente nacionais, que mantém um pequeno grupo de analistas e advogados no Departamento Jurídico.
Pretendo abordar, na sequência, os principais pontos estratégicos de contratos e os temas que demandam a maior parte das discussões e seus entraves para conclusão, como exemplos: direitos autorais, patentes, questões contratuais, regras trabalhistas, segurança do trabalho e as “batalhas homéricas” para obter a aprovação interna com suas assinaturas autorizadas.
Com o início da construção da proposta e contrato de P&D, observa-se uma dificuldade na criação do conteúdo de informações, este cenário se agrava quando a instituição de P&D é pública e segue regras administrativas estabelecidas pela União. Citarei diversas barreiras enfrentadas no dia-a-dia; por exemplo: um engenheiro não está treinado a lidar com linguagens jurídicas diferentemente das técnicas; porém, os primeiros momentos de elaboração do documento estão na mão da área técnica e por isto requerem uma habilidade na construção da escrita para as diferentes situações que o projeto vai lidar. O texto precisa ter um caráter defensivo, protegendo na íntegra as partes envolvidas dentro da esfera cível e impondo diferentes dispositivos de penalidade e proteção ao compartilhamento ilegal de informações. Tornando mais claro esta alegação, imagina-se que o especialista jurídico não atua no início da construção do documento e sim, só após algo já ter sido desenhado e estabelecido; os advogados não criam procedimentos e regras operacionais do projeto, mas cuidam que as mesmas sejam descritas e protegidas corretamente na linguagem jurídica. Resumindo, raramente pede-se para um advogado criar um contrato partindo do zero, isto é, precisa-se ter algo já determinado para iniciar a revisão e avanço do conteúdo.
Outro campo de discussão se dá pela abordagem dos direitos autorais de patentes e royalties de exploração da criação ou licença para aplicar a tecnologia. Normalmente, a partilha de 50% dos direitos entre as partes é a mais comum, todavia as contribuições técnica e física e os financiamentos do projeto são usados como argumento para favorecer um dos lados no sentido de ter um maior montante do total desta partilha; nestas situações, ainda é considerada uma parte adicional, normalmente 3%, ao órgão fomentador do estudo, quando existe. Sabe-se que, determinadas ICTs não são regulamentadas por uma legislação federal praticada pelas universidades, e aceitar ceder até 100% dos direitos de PI pode ser uma realidade com contrapartidas de algumas compensações, como o exemplo do custeamento de 100% da parte financeira do projeto e para a maioria dos casos, algumas situações específicas de uso do conhecimento gerado no P&D para compartilhamento interno na ICT.
Cabe aqui uma observação nesta discussão de direitos autorais e patentes, ou seja, sabendo que o maior tempo gasto para finalização do contrato está na construção deste capítulo; separar este item do texto inicial poderia ser um grande ganho de tempo; por outro lado, para a maioria dos casos de P&D não se sabe os detalhes finais do tipo de tecnologia que será entregue e por isto, querer definir regras ainda na fase de escrita do texto, nos parece ser um excesso de zelo e eventualmente um risco; neste caso, deixar esta definição para uma período posterior, poderia ser mais coerente, e assim, partir para a criação de um instrumento jurídico específico que deve ser elaborado ao longo da execução do projeto, quando torna-se mais claros os entregáveis do P&D.
Outra situação sensível e abordada no contrato é o acesso de informações confidenciais de ambas as partes para condução do estudo, como as normas, procedimentos, produtos, arquivos e banco de dados. Nestes casos, seu envolvimento em cláusulas de proteção torna esse tema o mais bem elaborado devido sua sensibilidade e riscos para os proponentes, criando penalidades e regras de manutenção do sigilo e restrição da circulação das informações confidenciais por períodos determinados. Inevitavelmente, o nível de barreiras para manuseio das informações pode dificultar os pesquisadores a utilizarem parte do conhecimento gerado e até dificultar as metas em atingir os objetivos referidos no preâmbulo do estudo. Na maioria das vezes, ao final do projeto é previsto uma devolução de todo material utilizado para sua execução. Diante de diversas proteções de “know how” é evidente o “engessamento” da utilização do conhecimento gerado nas ICTs para fins de publicação, bem como em atividades de ensino e pesquisa. Esta situação se contrapõe ao dever das instituições ao objetivo acadêmico em divulgar e publicar artigos técnicos, comum dentro de centros de P&D e na geração de “metrics” de qualificação da instituição/pesquisador diante aos órgãos públicos regulatórios e avaliadores. Quando ocorre a necessidade de publicar algum conteúdo do projeto, o artigo técnico passa por uma série de revisões para remover detalhes confidenciais e desconfigurar a parte sensível de valor tecnológico.
Saindo da esfera técnica e partindo para as cláusulas trabalhistas, foca-se em situações de acesso de pessoas nas dependências das partes envolvidas sem que configure vínculo trabalhista, que eventualmente implicaria numa vulnerabilidade da empresa e instituição na exposição em desacordo com as regulamentações Brasileiras, possíveis de acionamentos jurídicos e multas. Também neste contexto, são considerados seguros para cobrir questões pessoais e as responsabilidades civis do acordo. Neste campo, definição de locais específicos para reuniões, credenciamento de entrada nas portarias, definição de acesso a determinadas dependências e utilização de equipamentos e estrutura das partes são pontos comuns para acertos. Normalmente, um projeto de pesquisa circula com outras atividades da própria empresa e ICT, e separá-los no dia-a-dia pode ser uma dificuldade operacional.
Avançando nas cláusulas jurídicas, entram as questões de segurança e higiene ocupacional, no sentido da integridade física dos participantes durante a condução do estudo. Neste capítulo deve ser considerado temas como a obrigatoriedade de uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), regulamentos internos, treinamentos, integrações e a necessidade do conhecimento de procedimentos e práticas que inibem qualquer situação insegura na condução da pesquisa dentro da empresa e ICT, principalmente quando ocorre uma circulação de pessoas externas nas instituições envolvidas. Este campo é vasto e tem sido continuamente revisado dentro das empresas frente aos avanços constantes e novas regras e procedimentos; precisa-se estar bem claro o que um bolsista, estagiário, pesquisador e visitante podem ou não executar dentro de uma repartição da instituição.
Dentre este universo de itens, ainda resta o texto do acordo comercial, que rege as regras dos interesses estratégicos e contratuais, como forma de pagamento, logísticas, material físico e período de validade. Temas como contratação externas de atividades correlatas ao projeto precisam ser muito bem definidos para que não configure situações comprometedoras e beneficiamento ilícito, normalmente estas regras devem seguir as mesmas praticadas pela empresa em suas atividades correntes. Projetos que visam a continuidade da atividade para fins lucrativos após seu término precisam evitar o “pre-commitment”, ou seja, desenvolver uma nova tecnologia e iniciar sua comercialização por uma das partes executora do projeto pode configurar uma situação irregular de contratação ou gerar um caso de “compliance”. Nestes casos, as regras comerciais precisam ser estabelecidas antes do início do projeto para que a situação de “single sourcing” seja aceita pelas partes. Um outro ponto de esclarecimento é a utilização posterior, por uma das partes, das ferramentas, dispositivos e equipamentos gerados com os recursos do projeto, requerendo nestes casos, a criação de documentos de comodatos para definir as regras desta tratativa, como o período de empréstimos, responsabilidades pela manutenção ou correção, final de vida, “disposal” ou devolução do material.
Outra preocupação tratada no texto é a situação de desistências do projeto por alguma das partes antes do seu término, que pode impactar as responsabilidades assumidas por alunos, bolsistas e pesquisadores ou em casos mais críticos, estar atreladas a programas e impactar o lançamento de produtos. Estas situações costumam gerar altas penalidades para que não ocorra e por isto, dificilmente são aceitas pelas partes. O primeiro ponto dessa discussão é definir as diferenças entre desistência por abandono ou desinteresse com aquelas que ocorrem por força maior relacionadas ao negócio da empresa ou situações alheias à normalidade das partes. Certamente, a interrupção de um projeto não é uma situação de interesse; mas, diante de possíveis alterações do negócio de empresas e perda de “manpower” das partes, uma falta de interesse pode ocorrer com mais frequência e até levar a um abandono.
O contrato de P&D não precisa determinar a forma e itens auditáveis que fazem parte do acerto de contas ao final do projeto; e nem definir condições de manuseio e arquivamento de documentos, como os relatórios, planilhas, notas fiscais e documentações formais criados ao longo do estudo e que possam estar disponíveis durante longos períodos; estes itens são definidos em editais ou seguem as regras das ICT ou empresas. A minuta de contrato e termo de colaboração técnico-científico são instrumentos para criarem uma segurança jurídica, raramente se conhece, no início, o conteúdo dos entregáveis de uma P&D e por isto detalhar este material nos parece ser algo em excesso.
O texto final do contrato é amplo, detalhado e específico para cada tipo de P&D e instituição participante, procurando atender suas próprias necessidades e dificilmente segue um padrão comum. O contínuo aprendizado neste campo leva avanços nas cláusulas e inclusão constante de novos itens e melhorias de outros, todos frutos de lições aprendidas em projetos anteriores. Realmente, as questões legais continuam sendo aperfeiçoadas, mas o bom senso prevalece acima de tudo, visto que, não há garantia total para evitar um vazamento de informações ou compartilhamento irregular de dados.
A parte final da homologação do contrato é a assinatura autorizada de personalidades que assumem legalmente todo o conteúdo do material escrito; nestes casos, os autores são representantes legais da empresa e da instituição de pesquisa. Normalmente, são os reitores de universidades, diretores de ICTs e chefe financeiro de empresas os principais envolvidos e precisam estar muito bem seguros da importância do projeto e suas implicações. Diante desta situação, estes envolvidos requerem uma etapa adicional de convencimento pelos responsáveis técnicos da proposta, isto é, os aprovadores, em via de regra, não são da parte técnica e estão distantes do objetivo do tema e certamente vão precisar de muito esclarecimento para fornecer sua assinatura ao documento.
Em vista de todo este cenário, percebe-se a presença de um longo tempo para oficialização e aprovação para início do projeto, impactando muitas vezes o sucesso da pesquisa. Diante destes fatos, existem empresas que, por opção ou necessidade, conduzem temas de P&D totalmente na informalidade, mas se beneficiando da rapidez na implementação de inovações, colocando em xeque aqueles que seguem todos os requisitos e acumulam perdas de tempo em documentação. Uma forma inteligente para encurtar o tempo de criação de projetos é a implementação de contratos “guarda-chuvas” que regulamentam todas a regras jurídicas e interesses legais de uma única vez, sem descrever a execução do estudo técnico, isto é, cria-se um termo de colaboração técnico-científico sem definir o material de estudo. Posteriormente, para qualquer item de interesse, sem limite de quantidade, cria-se um anexo do memorial descritivo de projeto, contendo apenas o objetivo e a parte técnica de execução.
Completando o debate, ainda existe uma discussão para definir o tipo e duração do projeto em vista do risco envolvido. Muitas vezes deseja-se separar um projeto em duas ou mais etapas para que se possa avaliar sua continuidade logo ao final de cada etapa e assumir, posteriormente, maiores riscos; e nestas tratativas, contratos iniciais são definidos com ressalvas dos resultados para definição da sua continuidade, ou seja, a partir de resultados preliminares alcançados ao longo do estudo corrente, define-se os próximos contratos para as etapas posteriores. Esta forma de atuação, além de reduzir os riscos e os custos iniciais, ainda facilita conhecer as barreiras que serão encontradas até a finalização e sucesso de uma P&D.
Quando um projeto está atrelado a um fomento ou financiamento externo, como o exemplo do Rota 2030 e demais editais lançados por órgãos públicos, existe uma etapa inicial de aprovação da proposta antes da documentação completa do contrato, nestes casos, cartas de anuência ou apoio são formalizadas para somar no valor do projeto a posição da empresa. Estas cartas também têm um caráter formal e expõe publicamente o interesse de negócio, isto é, apoiar ou se posicionar em um determinado campo tecnológico para que o mesmo ganhe força de aprovação significa deixar pública a estratégia da empresa, por isto, a aprovação destes documentos precisa ser feita por representantes legais, a fim de ter uma proteção extra aos negócios em não causar uma interpretação incorreta de apoio a um tema que não é o foco no futuro da companhia, trata-se de preocupação com a imagem pública da corporação.
Diante de tantas cláusulas, ainda existem outras de menor grau de dificuldade, mas ainda complexas para definição, como objeto do contrato, contribuição dos parceiros adicionais, das despesas, remuneração, administração, da vigência, da cessão e transferência e sucessão, etc. Exemplificando a extensão da criação de contratos, entende-se como três meses um normal para tê-lo assinado, mas é factível tempos maiores.
Se estamos exaustos em ler este texto até aqui, imagine ele ser colocado no papel e assinado pelas altas patentes das instituições, realmente é uma tarefa desafiadora e repleta de emoções; como lidar com os interesses específicos, diferentes áreas e personalidades e, por fim tratar de um tema com alto risco de fracasso; este é o nosso dia-a-dia, estejam preparados para “navegar” em um ambiente novo à luz da formação do conhecimento do engenheiro e tão amplo em diversidades e situações. Até este ponto, nem começou fisicamente o projeto, muita emoção vem pela frente na operacionalização do P&D.