Caros leitores, continuando a discussão de materiais aplicados aos veículos, dedico esta edição para um tema presente em uma comunidade pequena em relação às grandes siderúrgicas, mas com alto valor técnico agregado em seus produtos, na qual chamamos de materiais sinterizados. Tenho acompanhado nessas últimas décadas os avanços nas aplicações destes materiais em veículos, e digo que ainda não chegou o verdadeiro boom deste segmento, o qual deve acontecer efetivamente com a presença dos veículos elétricos e híbridos. Enquanto isso, assistimos a um crescimento contínuo de aplicações em peças para transmissões automotivas, principalmente as automáticas.
Para melhor localizarmos nesta discussão, o emprego da MP (Metalurgia do Pó), nome utilizado para esta tecnologia, concorre com segmentos de forjados, fundidos e produtos longos usinados dentro das limitações de tamanho impostas pelo processo.
Neste tema, gostaria de relatar alguns momentos importantes em nosso país com fortes esforços feitos para alavancar esta tecnologia: no final da década de 1990, o Governo Federal disponibilizou investimentos para este campo e as empresas sistemistas e centros de pesquisas começaram a investir neste segmento, sendo que naquela época tínhamos as referências dos veículos americanos como benchmarking de aplicação. Relato nesse momento as abordagens locais dentro das OEM (Original Equipment Manufacturer – Fabricante do Equipamento Original) não eram expressivas e isso era facilmente verificado pela escassez de engenheiros automotivos participando dos eventos promovidos pelo setor.
Considero que o momento mais importante na tentativa de alavancar esta tecnologia se deu com a criação de um CPP (Centro de Processamento de Pós Metálicos) no IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) / CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e o lançamento de uma Conferência Internacional de Metalurgia do Pó, em que toda a comunidade do setor passou a se encontrar bianualmente a partir do primeiro ocorrido em Águas de Lindóia, em 1997[1]. Interessante dizer que, a partir destes esforços, a formação de especialistas no setor aumentou consideravelmente e, com isso, a presença mais expressiva destes no campo automotivo.
A vantagem tecnológica da MP baseia-se na eliminação de usinagem e redução de processos produtivos em artefatos construídos com um controle preciso das misturas de ligas, atingindo as propriedades mecânicas determinadas pelo projeto e a possibilidade de ter misturas de elementos com quantidades superiores aos permitidos pelos processos tradicionais, como a fundição e aciarias. Porém, a tecnologia está limitada aos custos dos pós, processos de sinterização e tratamentos térmicos, e por isso existe uma enorme oportunidade de P&D para melhorias, e é a partir disso que pretendo localizar o leitor neste contexto.
As principais ligas automotivas são à base de ferro com adições de elementos ligantes. Exemplifico a liga Fe-Cr como sendo acessível e ainda muito utilizada, porém, com muitos problemas na manufatura, exigindo um controle preciso da atmosfera de sinterização e no ponto de orvalho dentro do forno. Em adicional, suas propriedades mecânicas, ainda que boas, estão limitadas devido a uma densidade máxima 6.95 g/cm3, sem contar o problema da redução da vida útil no ferramental advindo do desgaste abrasivo na compactação. Diante destas dificuldades, os interesses focam nas ligas à base de Fe-Mo, com temperabilidade similar, mas com uma maior compressibilidade, atingindo valores de densidade até maiores de 7.15 g/cm3.
Outro problema da tecnologia da MP está em superar a segregação de pós no momento de mistura, devido às densidades diferentes entre eles, causando uma desestabilidade dimensional após a finalização da sinterização. Meios alternativos com custos adicionais foram muito estudados e empregados, como a mistura mecânica e a difusão a quente, emprego de cola na separação dos elementos ligantes como a grafita e lubrificantes.
Atualmente, as empresas fabricantes de produtos sinterizados e outras de pós estão mais presentes nas montadoras e a ligação tênue entre elas passou a ser um dos pontos melhorados para um sucesso que ainda está por vir. Enquanto isto, temos assistido a sua contínua aplicação em novos produtos, como arruelas, alavancas e buchas dentro das transmissões, porém, o momento de glamour ocorrerá com o desenvolvimento das engrenagens sinterizadas, tecnologia que já está bem avançada nos centros de pesquisas, em que o desafio principal está em equipar sua performance com as atuais forjadas, porém, com vantagens em massa e custos.
As oportunidades de P&D são amplas dentro deste setor e listo como pontos importantes as melhorias das propriedade mecânicas, focando diretamente na densificação das misturas através de controles especiais de composição química, a otimização da granulometria e geometria de partículas e os lubrificantes. Como um exemplo já conhecido, a mudança de lubrificantes à base do estearato de zinco para os novos tipos na cadeia do micro wax reduziu significativamente a participação em massa destes elementos de 1 para 0,3%, aumentando diretamente a densidade a verde dos produtos.
Outra linha de estudo muito promissora é a junção dos produtos PM (Pós Metálicos) com os aços, através de soldas ou sistemas mecânicos e químicos como parafusos, rebites, pinos travas e colas, podendo obter a sinergia das melhores qualidades dos processos. Porém, para isso existe um grande desafio: a presença de poros e a dissimilaridade dos materiais são um agravante na sua viabilização, as quais precisam ser bem estudadas.
Os PM estiveram muito tempo distante das demais tecnologias, mas com o avanço do acesso à informação, especialistas em outras áreas abordaram melhor estes produtos, aplicando com sucesso as tecnologias de tratamentos já conhecidas nas áreas de forjados, fundidos e laminados, como, por exemplo, a ferro oxidação, que tem um papel importante no fechamento dos poros superficiais e no aumento de dureza, e a nitretação como possibilidade de melhora na propriedade de abrasão.
Adicionalmente, os grandes avanços ocorreram na aplicação de multipós para diferentes regiões das peças, visando a redução de custo e a melhoria de propriedades em regiões específicas, com a possibilidade de tratamentos térmicos diretamente nas etapas de sinterização. Por fim, o desenvolvimento de prensas e processos mais rápidos também entra como um fator competitivo.
Diante de todo este cenário, concluo que a verdadeira fórmula de sucesso desta tecnologia está na proximidade dos sistemistas e fabricantes de PM apostando tecnicamente e até financeiramente em novos desenvolvimentos dentro das montadoras, que ainda é muito conservadora e normalmente prefere seguir com o tradicional e mais confiável.
Muito obrigado e até a próxima edição da IH.