Todos os dias, cada um de nós e mais de seis bilhões de vizinhos no mundo utilizam produtos e componentes cuja existência se tornou possível graças a um forno de atmosfera controlada.
Desde pequenas travas de porta até sistemas de trem de pouso de aeronaves, os equipamentos de atmosfera controlada promovem o beneficiamento do aço, seja por meio da têmpera ou do enriquecimento superficial de carbono e posterior têmpera em processos como a cementação ou carbonitretação.
Os fornos de atmosfera controlada do tipo SQ (Sealed Quench) destinados para têmpera, cementação e carbonitretação são equipamentos extremamente dinâmicos, que garantem excelente uniformidade e repetitividade de resultados.
Os insumos utilizados na operação desses equipamentos são gases e óleos que possuem componentes combustíveis e tóxicos. A experiência mostra que falhas no sistema de segurança e/ou operação inadequada desses equipamentos podem gerar acidentes de grande proporção, envolvendo perdas financeiras e principalmente vitimando trabalhadores.
Nessa e nas próximas duas edições faremos uma análise dos principais riscos e medidas de segurança (simples e complexas) para o funcionamento correto e seguro desses tradicionais e confiáveis equipamentos.Nessa primeira parte vamos falar sobre a evolução desses equipamentos, apresentar suas características construtivas e um resumo dos principais riscos e tipos de falhas.
Até pouco antes da década de 50, a grande maioria dos fornos de tratamento térmico era fraca construção feita com tijolos e revestimento de aço, sem grandes preocupações com a atmosfera na qual a carga era aquecida. A severa formação de carepa e óxidos era considerada infelizmente um mal necessário.
Os fornos elétricos possuíam atmosferas de ar, e os fornos com aquecimento por queimadores possuíam atmosferas constituídas dos produtos da combustão. Os operadores dos fornos aquecidos por queimadores perceberam que podiam reduzir a formação de carepas por intermédio do controle da mistura ar-combustível, no entanto esses procedimentos afetavam a eficiência do aquecimento e os resultados em relação à oxidação ainda eram inadequados.
Hoje, os fornos utilizados nos processos de tratamentos térmicos produzem peças brilhantes ou pelo menos limpas e livres de carepas, geralmente com características superficiais iguais ou melhores que as características iniciais.
Tais resultados foram obtidos graças às mudanças construtivas realizadas nos equipamentos, como o uso de câmaras de aço estanques, portas vedadas e outros sistemas de admissão e saída de gases. Na maioria dos fornos elétricos a atmosfera protetora é mantida no interior da câmara de aquecimento de maneira a proteger tanto a carga de peças como os elementos de resistência. Em alguns fornos elétricos, no entanto, e em muitos fornos aquecidos por queimadores, a atmosfera protetora é separada da fonte de calor pelo uso de retortas ou pelo confinamento em tubos radiantes.
A construção típica de um forno de atmosfera controlada (tipo SQ: Sealed Quench) pode ser verificada na Fig. 1 e Fig. 2. Essas características construtivas seguem três necessidades básicas:
1. Transferência uniforme de calor para a carga e proteção contra radiação direta de calor;
2. Fluxo uniforme da atmosfera pela carga;
3. Ausência de problemas operacionais e longa vida útil do equipamento.
Esses fatores são muito dependentes das características internas do equipamento. Geralmente o refratário assim dito é constituído de tijolos isolantes adequados a temperaturas bem acimas do set-up máximo do equipamento. O teto arqueado é autossustentável e contém um duto embutido para o circulador de gases. A soleira é formada por placas que possuem largas aberturas para a recirculação de gases e garantem total uniformidade da atmosfera pela carga. As paredes fabricadas do mesmo material da soleira protegem a carga da radiação direta e promovem a distribuição uniforme de temperatura.
Dentre as principais atmosferas utilizadas nos equipamentos do tipo SQ, podemos destacar os seguintes sistemas em função da aplicação, que na grande maioria envolve têmpera, cementação ou carbonitretação.
Logicamente essas atmosferas precisam de uma fonte carbono, que pode ser monóxido de carbono, um hidrocarboneto, um álcool ou outro líquido fonte de carbono.
Industrialmente, utilizam-se atmosferas contendo monóxido de carbono e hidrogênio para garantir um alto controle da mesma, conforme as reações clássicas de transferência de carbono da Fig. 3.
Em muitos casos, parte da atmosfera também consiste de nitrogênio, que atua como gás de arraste e também dilui as concentrações de gases inflamáveis minimizando o risco de chamas e depósitos de fuligem, como veremos posteriormente.
O endogás e a mistura nitrogênio/metanol são as duas opções principais de gases de enchimento.
Para controlar o potencial de carbono, um “gás de enriquecimento” deve ser utilizado. Esse gás normalmente é um hidrocarboneto como o propano ou metano. Nos casos de carbonitretação, o gás amônia (fonte de nitrogênio) é também adicionado.
Independente do tipo de gás utilizado, o potencial de carbono dos processos de têmpera, cementação e carbonitretação é atualmente controlado por sistemas como sondas de oxigênio, infravermelho e ponto de orvalho.
O método mais comum de resfriamento para a têmpera nos fornos SQ é a transferência da carga até a zona fria, onde se localiza o tanque de óleo. Essa transferência é realizada por meio de uma corrente transportadora. O tanque de óleo consiste de um compartimento de parede dupla isolado, equipado com dois a seis motores que promovem a agitação do óleo de resfriamento para obtenção da severidade de têmpera desejada.
Um elevador desce a carga no tanque e a turbulência controlada garante um resfriamento uniforme garantindo baixa distorção dos componentes temperados.
A utilização de insumos inflamáveis associada às elevadas temperaturas dos processos requer rigorosa atenção quanto ao estado de conservação e funcionamento dos diversos sistemas de segurança desses equipamentos.
No Brasil existem centenas de fornos de atmosfera controlada utilizados por fabricantes de componentes e empresas prestadoras de serviços de tratamento térmico que possuem dispositivos de segurança ineficazes, sejam por alterações durante reformas e automações que descaracterizam o projeto inicial ou manutenção preventiva deficiente.
Dentre os principais problemas e riscos podemos destacar: operação incorreta, queda de energia, vedação deficiente, falha nas chamas piloto, nível de óleo baixo, falha na troca de calor, baixa pressão interna, falta de admissão de nitrogênio e defeitos no pirômetro de segurança.
A Tabela 2 apresenta os principais riscos associados aos principais tipos de falhas que abordaremos nas próximas duas edições.
Também participam desse artigo: Antonio Carlos Gomes Jr. – antonio.gomes@aichelin.com e João Carlos Sartori – joao.sartori@metaltrend.com.br
Referências
1. Hotchkiss, A.G. e Webber, H.M. Protective Atmospheres. John Wiley & Sons, NY, 1953;
2. What You Should Know About Atmosphere Technology. Ipsen International GmbH, 2007;
3. Furnace Atmospheres Gas Carburizing and Carbonitriding, Linde Gas Special Edition, 2007;
4. ASM International. Metals Handbook Vol.4 Heat Treatment. Types of Heat Treating Furnaces, 1991;
5. Gomes, A.C. Controle de Atmosfera em Fornos de Tratamento Termoquímico, 2000.